domingo, 23 de dezembro de 2018

Como organizamos os seres vivos? Parte 6: Fósseis

Zhenyuanlong suni, dromeosaurídeo encontrado na China, viveu há aproximadamente 125 milhões de anos. Imagem aqui.

INTRODUÇÃO

Há uma estimativa de que para cada espécie hoje vivente, há ao menos 100 espécies extintas, ou seja, mais de 99% de todos os seres que já viveram na terra estão hoje extintos (1). Considerando que há cerca de 1 milhão e duzentas mil espécies descritas (e esse número ainda é muito baixo, uma vez que novas espécies estão sendo descritas quase que diariamente) há, portanto, pelo menos 120 milhões de espécies que já não estão mais entre nós (2).

Todas essas informações, que contam histórias de muitos milhões de anos, só podem ser acessadas através dos fósseis, ou seja, organismos que tiveram sua forma ou rastros preservados em rochas ou resinas por milhões de anos. Essa informação é essencial para a organização dos seres vivos e compreensão da história da vida na Terra.

IMPORTÂNCIA DOS FÓSSEIS

Há inúmeros porquês de estudar organismos fósseis. Eles podem nos dar pistas sobre o clima da Terra em tempos passados, segmento da paleontologia chamado de paleoclimatologia (3).

Fósseis também são uma forma muito eficiente de datar a idade dos grupos naturais e estimar quão antigas são as divergências entre eles (4). Além, é claro, de nos fornecer a oportunidade de viajar no tempo, e enxergar a fauna e flora de eras distantes, rendendo cenários fantásticos como os de Jurassic Park (o World não).

Há também muitos casos de grandes grupos dos quais só nos restaram fósseis para admirar, como os Trilobitas, artrópodes marinhos muito abundantes no registro fóssil entre os períodos Cambriano e Permiano; tornaram-se extintos pelo  grande evento de extinção do permo-triássico, datado de aproximadamente 252 milhões de anos atrás (5).


Trilobitas, artrópodes extintos. Imagens aqui e aqui.


Também há grupos muito peculiares como os Pterossauros, os primeiros vertebrados a conquistar os ares muito antes das aves ou morcegos. E claro, os grupos de grandes dinossauros não-avianos, ambos extintos na passagem do Cretáceo para o Paleogeno, há cerca de 66 milhões de anos (6).


Darwinopterus robustodens, fóssil e paleoarte.



FÓSSEIS E A SISTEMÁTICA

Fósseis também são fundamentais em sistemática pois, através deles, conseguimos reconstruir os ancestrais hipotéticos que deram origem aos grupos com muito mais precisão, e consequentemente construir hipóteses sobre como ocorreu a evolução dos mesmos.

No texto 1 (leia aqui), falamos que, na taxonomia evolutiva do início do século XX, era comum tratar fósseis como ancestrais dos grupos. O Archaeopteryx, por exemplo, foi tratado como ancestral das aves modernas em muitos casos. Porém hoje, na cladística, isso não é mais utilizado, pois seria impossível dizer com precisão qual espécies deu origem ao grupo das aves, o que torna essa prática muito arbitrária e pouco científica.

O Archaeopteryx pode ou não ter sido o ancestral que originou o grupo das aves modernas, mas essa informacāo não está mais diretamente acessível a nós, que tratamos dessa questāo 150 milhões de anos no futuro.

Archaeopteryx lithographica, um dos mais famosos fósseis da linhagem das aves. Imagem disponível aqui.


Por conta dessa impossibilidade de acessar diretamente o ancestral, os fósseis na sistemática são tratados como terminais comuns, ramos das árvores como quaisquer outros, com a única diferença de que eles são sinalizados com um símbolo de cruz indicando sua extinção.

FÓSSEIS E A PERDA DE INFORMAÇÃO

O primeiro problema de classificar fósseis com precisão é que o processo de fossilização geralmente conserva apenas algumas características do ser vivo e, desta forma, muita informação se perde no período entre a morte do indivíduo e a fossilização de seu cadáver. Existe uma área da paleontologia que cuida exclusivamente desse processo, chamada tafonomia.

Obviamente, existem formas de fossilização mais conservativas que outras, como as fossilizacões em âmbar (um tipo de resina de origem vegetal), que conseguem manter muitos traços dos organismos intactos desde sua morte (7).

Mosquito em âmbar (Ordem Diptera). Imagem disponível aqui.

Porém, na maioria dos casos, muita informação é perdida, seja pelas condições climáticas onde o organismo se fossilizou, por características do solo ou pela própria degenerabilidade do tecido; partes moles, como cartilagem e músculos, são muito mais difíceis de serem fossilizados que partes duras como ossos e dentes (8).

Assim sendo, cria-se um problema: como tratar os caracteres perdidos durante a fossilização dentro das análises filogenéticas?

Existe um tipo de estado de caráter (os valores que preenchem a matriz) chamado de "missing data", que normalmente entra na  matriz como uma interrogação. O que isso significa, na análise, é que ali pode haver qualquer estado: 0 ou 1 (para um caráter binário) ou qualquer estado aquela característica permitir (nos casos multiestado). A forma de se resolver um missing data é testando todas as possibilidades e vendo qual delas é mais parcimoniosa, recuperando assim o estado mais provável daquela característica (9).

OBS: Se você teve dificuldades para entender esse parágrafo, sugiro a leitura dos textos 2 e 3 desta série, lá eu explico o que é estado de caráter, matriz e outros termos possivelmente estranhos a você.

EM BUSCA DO ANCESTRAL PERDIDO

Apesar da impossibilidade de saber diretamente quem foi o ancestral de uma linhagem, a sistemática nos permite reconstruir suas características, através dos atributos que seus descendentes herdaram. As sinapomorfias de um grupo são característica do ancestral comum hipotético e, através delas, podemos ter uma idéia de como era o organismo que teria dado origem às linhagens atuais.

Porém, essa reconstrução deve ser feita com cuidado e, para que ela seja feita com a maior precisão possível, os fósseis são indispensáveis. Vamos ver um exemplo:

Uma questão chave sobre evolução dos vertebrados é tentar reconstruir as características do ancestral que originou a linhagem dos tetrápodes, ou seja, tentar desvendar qual a cara do vertebrado que primeiro saiu da água em direção à conquista do ambiente terrestre.

Se observarmos o cladograma dos tetrapoda viventes, teremos algo dessa forma :


Reconstruído a partir das filogenias tradicionais, corrigindo apenas a posição de Testudines pelo trabalho de Chiari e colaboradores (10).



Se tratarmos essa questão usando apenas os grupos não extintos, poderíamos ser levados a imaginar, erroneamente, que o ancestral Tetrapoda teria se parecido com um anfíbio atual (Lissamphibia), afinal eles estão na base da filogenia dos tetrápodes. Porém o cladograma omite todas as linhagens extintas. E ao incluí-las, o cenário muda completamente, observe abaixo:

Cladograma adaptado dos trabalhos de Swartz (11) e Pyron(12)


Olhando essa nova árvore fica evidente que há muitas linhagens bem mais antigas que os anfíbios atuais, e que devem servir muito melhor como modelo para o tetrapoda ancestral.

Os grupos marcados em vermelho, azul e verde são, respectivamente: a linhagem moderna dos anfíbios (que inclui cecílias, salamandras e anuros); o grande grupo dos Amniota (incluindo todos os outros tetrápodes viventes, ou seja, répteis e mamíferos); o grupo em verde é chamado de Stegocephalia, em sua base, segundo o que está mais assentado na literatura, estariam os tetrápodes que já seriam relativamente pouco mais independentes da água, que podem ser considerados melhores modelos para o primeiro tetrápode terrestre.


Tiktaalik roseae, um fóssil de cerca de 375 milhões de anos, é um ótimo exemplo de tetrapodomorfo basal. Imagens aqui e aqui.


Aliás, o grupo dos anfíbios modernos é um péssimo modelo pois, a linhagem moderna surgiu há apenas 250 milhões de anos (baseado na idade dos fósseis mais antigos do grupo, Triadobatrachus e Czatkobatrachus), datação muito recente se comparada a da origem dos Tetrapoda, há pelo menos 360 milhões de anos, enquanto que o grupo mais inclusivo, Tetrapodomorpha, chega à casa dos 400 milhões (12)(13)(14). Os anfíbios modernos são muito modificados: possuem respiração majoritariamente cutânea, glândulas de veneno e muco e muitas outras características extremamente derivadas e que, muito provavelmente, não estavam presente nos primeiros tetrápodes (15). O único fato que justifica sua posição na base da filogenia vivente é que o grupo que deu origem aos anfíbios é muito antigo e não necessariamente suas características.

CROWN, STEM E PAN GROUP

Nessa altura do texto vale diferenciar 3 conceitos que estão relacionados aos grupos na sistemática, mais especificamente à abrangência dos grupos analisados. O exercício anterior ilustra a resolução de um problema utilizando o mesmo clado em duas visões distintas: o crown e o pan group.

O crown group é o grupo que engloba os táxons dos nós os quais ainda possuem grupos viventes inclusos, excluindo os grupos estritamente fósseis. Esse grupo nos dá um panorama geral da biodiversidade, porém pode não ser precisos ao tentar solucionar questões que envolvem a história natural dos grupo (16).


O stem group, é um grupo de modo geral parafilético, que engloba as linhagens extintas desde a origem do grupo e excluindo o crown. Já o pan group, seria a união dos grupos crown e stem, também chamado de total group. Quando olhamos para um grupo de sua visão pan, uma quantidade maior de informações sobre o passado das linhagens está sendo exibido, e problemas como o anterior podem ser melhor resolvidos (17).


CROCOPATO?

Uma outra questão que vem a tona ao olharmos para grupos viventes apenas é do surgimento de características aparentemente muito rápida e pouco gradual. Observe a árvore dos crown répteis:


Olhando para os grupos irmãos Aves e Crocodylia é difícil de entender como tão abruptamente surgiram tantas características novas nas aves: penas, modificações ósseas complexas, como esterno em quilha e a fúrcula, ausência de dentes, bipedalismo e ossos pneumáticos, partindo de um ancestral compartilhado com crocodilos (que são semi-aquáticos, rastejadores, quadrúpedes e com revestimento corporal muito rígido). É quase como se um designer tivesse planejado, num piscar de olhos, um animal pronto para o voo.

Porém, se olharmos o cladograma de uma visão pan, veremos a fantasia do designer ruir e o típico padrão de gradualismo retornando. Observe:


Cladograma adaptado a partir dos trabalhos de Nesbitt(18), Bronzati et al.(19), Buscalioni et al.(20) e Hendrickx et al.(21).


Olhando essa árvore podemos ver a enorme distância entre os crocodilos e as aves sendo preenchida por um grande número de fósseis, incluindo os pterossauros e todos os Dinossauros extintos. Vale lembrar que esse abismo é preenchido não apenas por formas e linhagens bem distintas, mas também por um longo período de tempo, uma vez que a idade de Archosauria é de pelo menos 250 milhões de anos (18).

Agora vamos dar um zoom mais refinado nesse cladograma, observando mais atentamente o clado dos Dinosauria, e em especial o dos Theropoda, grupo que inclui as aves e outros dinossauros conhecidos, como o T. rex e o Velociraptor.


Filogenia montada a partir de Hendrickx et al. (21),  Wang et al.(22) e Lee et al. (23).

Referências para as características apontadas no cladograma: Bipedalismo (24), Pneumatismo (25), Fúrcula (26), filamentos e penas (27), esterno em quilha e redução da cauda (28), Perda de dentes (29).

Olhando a árvore acima, podemos ver as características das aves modernas surgindo aos poucos ao longo das linhagens, muitas delas, como as penas, tendo outra finalidade no seu surgimento  e apenas muito tempo depois sendo usadas para facilitar o voo (30).

Há algumas hipóteses sobre qual seria a função das penas em seu surgimento, não entraremos em detalhes por agora (na verdade caberia um texto inteiro só sobre esse assunto), mas entre as hipóteses discutidas estão: termorregulação, seleção de parceiro para cópula (a.k.a. seleção sexual) ou ainda como mecanismo a prova d'agua entre outras (30)(31)(32).

Essa reciclagem de característica, uma espécie de bricolagem, muito comum durante a evolução, é chamada de exaptação, termo cunhado pelo grande paleontólogo Stephen Jay Gould e a paleontóloga Elisabeth Vrba na década de 1980 (33).

CONCLUSÃO

É indiscutível a importância dos fósseis na biologia para a resolução de questões fundamentais sobre história da vida na terra. Os fósseis são um diamante raro, que além de sua beleza e poder de aguçar nossa imaginação, são também máquinas do tempo, que a cada dia fornecem mais e mais evidências que corroboram e suportam a teoria evolutiva. Saber como tratá-los, permite aos sistematas resolver inúmeros problemas de organização dos seres vivos, desde reconstruir ancestrais longínquos até observar uma mera modificação das escamas cutâneas, inicialmente servindo como um isolante térmico, se tornando, depois de alguns milhões de anos, uma estrutura perfeita para o eficiente e aparentemente mágico voo das aves. Mas isso não é mágica, é apenas a evolução das espécies.

Para mais informações sobre fósseis, leiam os textos aqui do blog:

- Sobre Pterossauros (aqui e aqui)
- Fósseis transicionais

No próximo texto da série, discutiremos uma das maiores polêmicas da sistemática: afinal, dados moleculares e morfológicos são inconciliáveis? De onde vêm tantos conflitos? Seria essa uma evidência contra a teoria evolutiva e a ideia de descendência a partir de um ancestral comum único? Veremos...


Um agradecimento especial ao Johnny Mingau, pelas ajudas e referências sobre dinos... Se ainda não conhece o trabalho dele no Youtube, não perca mais tempo, acesse agora clicando aqui.

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REFERÊNCIAS

1 - Stearns, B.P.; Stearns, S. C.; Stearns, Stephen C. (2000). Watching, from the Edge of Extinction. Yale University Press. p. preface x. ISBN 978-0-300-08469-6. Retrieved 30 May 2017.

2 - Mora, C.; Tittensor, D.P.; Adl, S.; Simpson, A.G.; Worm, B. (2011). "How many species are there on Earth and in the ocean?". PLOS Biology. 9: e1001127. doi:10.1371/journal.pbio.1001127. PMC 3160336. PMID 21886479.

3 - Sahney, S. & Benton, M.J. (2008). "Recovery from the most profound mass extinction of all time" (PDF). Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences. 275 (1636): 759–65. doi:10.1098/rspb.2007.1370. PMC 2596898. PMID 18198148.

4 - Donoghue, P. C., & Benton, M. J. (2007). Rocks and clocks: calibrating the Tree of Life using fossils and molecules. Trends in ecology & evolution, 22(8), 424-431.

5 - Erwin DH. (1993). The great Paleozoic crisis; Life and death in the Permian. Columbia University Press. ISBN 978-0-231-07467-4.

6 - Renne, P. R.; Deino, A. L.; Hilgen, F. J.; Kuiper, K.F.; Mark, D. F.; Mitchell, W. S.; Morgan, L. E.; Mundil, R.; Smit, J. (2013). "Time Scales of Critical Events Around the Cretaceous-Paleogene Boundary" (PDF). Science. 339 (6120): 684–687. Bibcode:2013Sci...339..684R. doi:10.1126/science.1230492. PMID 23393261.

7 - Efremov, I. A. (1940). "Taphonomy: a new branch of paleontology". Pan-American Geology. 74: 81–93. Archived from the original on 2008-04-03.

8 -  Cortland University Website - Paleo Website - Taphonomy & Preservation. Disponível em: https://web.archive.org/web/20170617103138/http://paleo.cortland.edu:80/tutorial/Taphonomy&Pres/taphonomy.htm

9 - Wiens, J. J. (2006). Missing data and the design of phylogenetic analyses. Journal of biomedical informatics, 39(1), 34-42.

10 - Chiari, Y., Cahais, V., Galtier, N., & Delsuc, F. (2012). Phylogenomic analyses support the position of turtles as the sister group of birds and crocodiles (Archosauria). Bmc Biology, 10(1), 65.

11 - Swartz, B. (2012). "A marine stem-tetrapod from the Devonian of Western North America" PLoS ONE. 7

12 - Pyron, A. (2011). "Divergence Time Estimation Using Fossils as Terminal Taxa and the Origins of Lissamphibia". Systematic Biology. 60 (4): 466–481.

13 -  Ascarrunz, E.; Rage, J.; Legreneur, P.; Laurin, M. (2016). "Triadobatrachus massinoti, the earliest known lissamphibian (Vertebrata: Tetrapoda) re-examined by µCT-Scan, and the evolution of trunk length in batrachians". Contributions to Zoology

14 - Zhu, M. and Ahlberg, P. (2004) The origin of the internal nostril of tetrapods. Nature 432 94-97 doi:10.1038/nature02843

15 - Pough, F. Harvey, Christine Marie Janis, and John B. Heiser. Vertebrate life. Vol. 733. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 1999.

16 - Jefferies, R.P.S. (1979). "The Origin of Chordates — A Methodological Essay". In M. R. House. The Origin of Major Invertebrate Groups. London ; New York: Academic Press for The Systematics Association. pp. 443–447. ISBN 0123574501.

17 - Willmann, R. (2003). "From Haeckel to Hennig: the early development of phylogenetics in German-speaking Europe". Cladistics. 19: 449–479.

18 - Nesbitt, S.J. (2011). "The early evolution of archosaurs: relationships and the origin of major clades" (PDF). Bulletin of the American Museum of Natural History. 352: 1–292. doi:10.1206/352.1.

19 - Bronzati, M.; Montefeltro, F. C.; Langer, M. C. (2012). "A species-level supertree of Crocodyliformes". Historical Biology. 24: 1.

20 - Buscalioni, A.D.; Piras, P.; Vullo, R.; Signore, M.; Barbera, C. (2011). "Early eusuchia crocodylomorpha from the vertebrate-rich Plattenkalk of Pietraroia (Lower Albian, southern Apennines, Italy)". Zoological Journal of the Linnean Society. 163: S199–S227.

21 - Hendrickx, C., Hartman, S. A., & Mateus, O. (2015). “An overview of non-avian Theropod discoveries and classification”. PalArch's Journal of Vertebrate Palaeontology, 12(1).

22 - Wang, M.; Wang, X.; Wang, Y.; Zhou, Z. (2016). "A new basal bird from China with implications for morphological diversity in early birds". Scientific Reports. 6: 19700

23 - Lee, Michael SY; Cau, Andrea; Darren, Naish; Gareth J., Dyke (May 2014). "Morphological Clocks in Paleontology, and a Mid-Cretaceous Origin of Crown Aves". Systematic Biology. Oxford Journals. 63 (3): 442. doi:10.1093/sysbio/syt110. PMID 24449041.

24 - Sereno, P.C.; Forster, Catherine A.; Rogers, Raymond R.; Monetta, Alfredo M. (1993). "Primitive dinosaur skeleton from Argentina and the early evolution of Dinosauria". Nature. 361 (6407): 64–66.

25 - Wedel, M.J. (2007). Postcranial Pneumaticity in Dinosaurs and the Origin of the Avian Lung (Unpublished doctoral dissertation). University of Oklahoma, Norman, USA.

26  - Nesbitt, S. J., Turner, A. H., Spaulding, M., Conrad, J. L., & Norell, M. A. (2009). The theropod furcula. Journal of Morphology, 270(7), 856-879.

27 - Xu, X.; Guo, Y. (2009). "The origin and early evolution of feathers: insights from recent paleontological and neontological data". Vertebrata PalAsiatica. 47 (4): 311–329.

28 - Chiappe, L. M., Ji, S. A., Ji, Q., & Norell, M. A. (1999). Anatomy and systematics of the Confuciusornithidae (Theropoda, Aves) from the late Mesozoic of northeastern China. Bulletin of the AMNH; no. 242.

29 - Larson, D.W., Brown, C.M., and Evans, D.C. (2016). Dental disparity and ecological stability in bird-like dinosaurs prior to the end-Cretaceous mass extinction. Curr. Biol. 26, 1325–1333.

30 - Sumida, SS; CA Brochu (2000). "Phylogenetic context for the origin of feathers". American Zoologist. 40 (4): 486–503

31 - Bock, WJ (2000). "Explanatory History of the Origin of Feathers". Am. Zool. 40 (4): 478–485.

32 - Saino, Nicola; Riccardo Stradi (1999). "Carotenoid Plasma Concentration, Immune Profile, and Plumage Ornamentation of Male Barn Swallows". American Naturalist. 154 (4): 441–448.

33 - Gould, S. J.; Vrba,  E.S. (1982). "Exaptation — a missing term in the science of form" (PDF). Paleobiology. 8 (1): 4–15

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

A caixa-preta de Behe - uma resposta bioquímica à Complexidade Irredutível


EVOLUÇÃO EM LABORATÓRIO: O OPERON DE HALL 

A bactéria E. coli pode utilizar a lactose (Fig 1) para obter a energia necessária à manutenção das funções vitais. 

Figura 1. Molécula de lactose. Imagem disponível aqui.

Para isso, no entanto, a lactose precisa ser hidrolisada, resultando em galactose e glicose, as quais vão ser metabolizadas e utilizadas na produção de energia. A enzima que catalisa essa reação (Fig 2) é conhecida como beta-galactosidase ou lactase (Fig 3). 

Figura 2. Reação de clivagem da lactose pela enzima beta-galactosidase. Imagem disponível aqui



Figura 3. Enzima beta-galactosidase. Imagem disponível aqui


Especificando mais ainda, a capacidade da E. coli de metabolizar lactose depende de:

1 -  Um gene que produz beta-galactosidase. 
2 - Uma proteína permease que, como o nome sugere, de certa forma torna a membrana permeável à entrada de lactose, isto é, a permease age como um transportador. 
3 - Uma região reguladora tal que a produção dos produtos gênicos necessários para metabolizar a lactose só sejam produzidos quando lactose estiver presente, desta forma reduzindo o gasto energético. 

Um trecho de DNA no cromossomo bacteriano é a base genética dessas funções: o operon lac (Fig 4).


Figura 4. Representação esquemática do operon lac. lacZ é um gene que codifica a informação necessária para a produção da beta-galactosidase. Imagem disponível aqui. 



O funcionamento geral do operon lac está representado na Figura 5 (antes de prosseguir, leia a legenda) Na parte superior da imagem, temos a situação onde a lactose não está presente. Na ausência de lactose, o repressor se mantém ligado ao operador, criando uma barreira mecânica, impedindo a passagem da RNA polimerase. Portanto, não há transcrição gênica. Na porção inferior da imagem, a lactose está presente. A lactose se liga ao repressor, altera sua conformação e, assim, o repressor se desliga do operador, permitindo a passagem da RNA polimerase e, portanto, há transcrição dos genes necessário para lidar metabolicamente com a lactose. 


Figura 5. Representação esquemática do funcionamento do operon lac. 1 - RNA polimerase (amarelo); 2 - repressor (verde); 3 - promotor (laranja); 4 - operador (vermelho); 5 - lactose; 6 - lacZ; 7 - lacY; 8 - lacA. Imagem disponível aqui

Em 1982, Barry Hall, da Universidade de Rochester, condiu uma série de experimentos com desdobramentos interessantíssimos. Os experimentos começaram com uma cepa (strain DS4680A), que é também o resultado de experimentos de evolução dirigida. A obtenção desta cepa ocorreu da seguinte forma: bactérias cujo gene lacZ, que produz a beta-galactosidade, havia sido deletado, foram crescidas em meio contendo lactose. Sugiram mutantes que produziam um enzima com atividade de beta-galactosidase, embora ineficiente. Essa enzima foi chamada de ebg (evolved beta-galactosidase ou beta-galactosidase evoluída). De acordo bom Barry Hall, essa cepa não poderia crescer com sucesso em meio rico em lactose porque:

a - Não tinha um enzima capaz de hidrolisar a lactose eficientemente. Lembre-se que a ebg não é eficiente em sua atividade de hidrolisar lactose. 

b - Tinha um repressor ebg insuficientemente sensível à lactose como indutora. Isto é, a lactose não era capaz de fazer com que o repressor se desligasse do operador, o que impedia a transcriação. 

c - A síntese de permease não era induzida pela lactose. 

Por meio de mutação e seleção das variedades promissoras, Barry Hall conseguiu obter ao final dos experimentos uma cepa bacteriana plenamente capaz de utilizar lactose. Mais ainda, Hall mapeou as mutações que tornaram isso possível. Três mutações estão associadas à evolução dessa cepa. 

1 - Uma mutação no gene ebgA permitiu com que a enzima ebg fosse capaz de hidrolisar lactose eficientemente. 

2 - Uma mutação no gene ebgR tornou o repressor ebg hipersensitivo à lactose como indutor. Nesse estágio (agora com duas mutações), a cepa resultante era capaz de utilizar lactose, mas apenas se a síntese da permease de lactose fosse induzida pelo IPTG, um composto análogo à lactose. Embora claramente necessitasse do IPTG para se manter, essa cepa apresentava vantagens com relação à cepa anterior (ancestral, que tinha apenas a mutação 1), pois conseguia sobreviver mais tempo sem o IPTG do que a sua ancestral. 

3 - O último passo foi uma segunda mutação no gene egbA, resultando em uma enzima egb alterada capaz de converter a lactose em um indutor de lactose permease. Assim, essa cepa não precisava mais do IPTG para crescer no meio contendo lactose. 

De acordo com Barry Hall:

O operon ebg na cepa 5A1032 [nome da cepa portadora das 3 mutações descritas acima] está muito próximo de perfeitamente evoluído  para a utilização de  lactose: na ausência de lactose nem a enzima ebg e nem a lactose permease são sintetizadas acima dos níveis basais normais. Na presença de lactose, a síntese da enzima ebg é induzida e esta enzima, por sua vez, converte lactose em um indutor do operon lac e lactose permease é sintetizada. 

A solução para este problema evolutivo de adquirir uma nova função (utilização da lactose) é particularmente interessante, pois o operon ebg da cepa 5A1032 controla não só a sua própria expressão, mas a expressão de um outro operon requerido para a via de utilização de lactose funcionar. Estes resultados são uma verificação experimental da hipótese de Wilson de que a maioria das mudanças evolutivas significativas surge de mutações regulatórias que resultam em controle coordenado de conjuntos de genes que eram anteriormente regulados separadamente. 

Fantástico, não é mesmo?!

O OPERON  DE HALL ENQUANTO RESPOSTA AO DESAFIO DA COMPLEXIDADE IRREDUTÍVEL

Michael J. Behe, um dos principais defensores do Design Inteligente, propôs em seu livro Darwin's Black box, publicado pela primeira vez em 1996, que sistemas irredutivelmente complexos seriam um desafio à evolução darwiniana. Ele definiu complexidade irredutível assim:

Por irredutivelmente complexo quero dizer um único sistema composto de várias partes que interagem e contribuem para a função básica, e onde a remoção de qualquer uma das partes faz com que o sistema efetivamente cesse o funcionamento. Um sistema irredutivelmente complexo não pode ser produzido diretamente (isto é, pelo melhoramento contínuo da função inicial, que continua a funcionar pelo mesmo mecanismo) por pequenas modificações sucessivas de um sistema precursor, porque qualquer precursor de um sistema irredutivelmente complexo que falte uma parte é, por definição, não funcional. Um sistema biológico irredutivelmente complexo, se existe tal coisa, seria um poderoso desafio à evolução Darwiniana. [leia mais a respeito aqui]

Agora façamos a seguinte pergunta: será que esse sistema ebg obtido por Hall se encaixa na definição de um sistema irredutivelmente complexo? Os componentes desse sistema evoluído são três:

1 - Um repressor ebg hipersensível à lactose;
2 - Uma ebg capaz de hidrolisar lactose eficientemente; e
3 -  Uma reação enzimática que converte a lactose um indutor de lactose permease. 

Se um dos componentes não estiver presente, o sistema não funciona. Claramente é um sistema irredutivelmente complexo. Entretanto, esse sistema é resultado de evolução. Conclui-se, para a surpresa de poucos que já estudaram o assunto, que sistemas irredutivelmente complexos existem, sim, mas que isso de maneira alguma significa que eles não podem ser o resultado de processo evolutivo algum.

Com a palavra final, Barry Hall: 


As mutações descritas acima foram deliberadamente selecionadas em laboratório como modelo sobre a maneira como vias bioquímicas podem evoluir de tal maneira que estejam apropriadamente organizadas com respeito à célula e o seu ambiente. É razoável perguntar se este modelo pode ter qualquer relação com o mundo real, fora do laboratório. Se assumido que a seleção é estritamente para o uso da lactose, então uma vantagem de crescimento existe apenas quando todas as três mutações estão presentes simultaneamente. Qualquer uma das mutações sozinhas podem muito bem ser neutras (é improvável que alguma seja desvantajosa); mas mutações neutras de fato adentram nas populações por meio de eventos aleatórios, e são fixadas por um processo aleatório chamado de deriva genética. Em um background de uma mutação egbA ou egbR, uma segunda mutação no gene alternativo aumenta o fitness ligeiramente por meio do acréscimo na sobrevivência do mutante duplo na presença de lactose. A seleção poderia, assim, aumentar a frequência do duplo mutante na população. A terceira mutação, ocorrendo no duplo mutante como background, é claramente fortemente vantajosa. 
...

Nós podemos seguramente concluir que a evolução de vias bioquímicas bem integradas e organizadas podem envolver muitas mutações, nem todos precisando ser individualmente vantajosas. Da mesma forma, este estudo fornece um exemplo concreto de uma via na qual mutações neutras podem contribuir não apenas para a diversidade genética das populações, mas também contribuir com o potencial adaptativo dos organismos. 

Assista ao vídeo para fixar as ideias. 




Referências

Hall, B. G. (1982). Evolution of a regulated operon in the laboratory. Genetics101(3-4), 335-344.

Griffiths, A.J.F. et.al. Introdução à genética. 9. ed. Rio de Janeiro,Guanabara Koogan, 2009.


Behe, M. J. 2006. Darwin’s black box : the biochemical challenge to evolution (10th Anniversary Edition). Simon and Schuster, New York, NY.

???.  Evolution Before Our Eyes: Complex Mutations in Microbes Giving New Functions. <https://letterstocreationists.wordpress.com/2017/11/04/evolution-before-our-eyes-complex-mutations-in-microbes-giving-new-functions/>



DNA Lixo: a volta dos que não foram

Nos últimos tempos, quando escrevo algo, geralmente trato de paleontologia. Antes eu dedicava maior atenção ao que acontecia no mundo molecu...