sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Teoria da Seleção Natural - Darwin vs. Wallace



Imagem: internet.

É um fato histórico bem conhecido que Darwin e Wallace primeiro apresentaram oficialmente suas ideais a respeito da evolução por seleção natural em 1858, em um artigo conjunto (constituído de dois artigos, um de Darwin e o outro de Wallace, claro) lido perante a Linnean Society. Assume-se, geralmente e muito por causa do próprio Darwin, que a teoria da seleção natural de Wallace é exatamente a mesma teoria que a de Darwin. Entretanto, algumas diferenças entre as ideias de Darwin e Wallace podem ser encontradas naquele artigo de 1858. As diferenças mais claras estão sumarizadas a seguir*:

* A partir de agora você vai ler uma tradução do trecho relevante artigo que traz essas diferenças.

1. Wallace enfatizou a distinção entre animais domésticos e variedades naturais. De fato, ele tratou os animais domésticos como "anormais" e afirmou que eles não podem ser tomados como "sistemas modelo" para animais na natureza. Darwin, entretanto, salientou as similaridades entre variantes domésticas e naturais na construção de seu argumento.

2. No artigo de Wallace apenas animais (vertebrados, insetos) são citados como exemplos para a "luta pela existência". Darwin, por outro lado, explicitamente se referiu a animais e plantas, isto é, a organismos móveis e sésseis.

3. Wallace deu destaque à competição dos animais em relação ao meio ambiente (quer seja vivo ou inorgânico) e entre espécies separadas: a luta contra os inimigos e predadores é o processo decisivo em seu artigo. Darwin, por sua vez, enfatizou a competição intraspecífica**: a luta contra um companheiro da mesma espécie. Este aspecto foi descrito em detalhem em Origin of Species

** No original lê-se "interspecific", ou seja, interespecífica. Entretanto, como trata-se de um contraste entre as ideias de Darwin e Wallace, não faria sentido se o termo fosse mesmo "interespecífica". 

4. Desde o começo de sua carreira como evolucionista, Wallace (1858) rejeitou o conceito proposto por Lamarck, enquanto Darwin, ao longo de usa vida, aderiu ao princípio da herança das características adquiridas. 

5. Wallace não menciona o fator tempo (isto é, o número de gerações que se deve passar) até que novas variedades de espécie possam ocorrer como um resultado da força consistente da seleção natural. Darwin apontou a importância de intervalos de tempo geológicos com respeito à origem de novas espécies e se referiu a milhares (ou milhões) de gerações. 

6. Darwin introduziu, em adição aos meios naturais de seleção, um segundo princípio: a luta entre machos por fêmeas (seleção sexual, descrita em detalhe em Origin of Species). Em seu artigo original, Wallace não menciona este segundo tipo de seleção, que é o resultado do sucesso reprodutivo diferencial. 

Obrigado pela companhia!

Artigo

Kutschera, U. Theory Biosci. (2003) 122: 343. https://doi.org/10.1007/s12064-003-0063-6
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quarta-feira, 3 de outubro de 2018

As Flores de Goethe - Evidências da Evolução

Johann Wolfgang von Goethe. Imagem: Wikipédia.


Uma flor típica é composta por quatro partes: sépalas, pétals, androceu (conjunto de estames) e gineceu (conjunto de carpelos). Há mais de 200 anos, Goethe propôs a ideia de que essas partes nada mais são que folhas modificadas. 

Estava ele com a razão?  

Anos de pesquisa culminaram em um modelo de desenvolvimento ou identidade floral chamado de modelo ABC. Esse modelo explica como cada parte floral adquire sua identidade. Claro, não vamos entrar nos pormenores aqui, apenas abordar rapidamente o que propõe o modelo.
 
O "ABC" do modelo vem das classes de genes envolvidos. Classes A, B, e C. Sim, muita criatividade pra nomear as classes. Enfim. As partes florais adquirem sua identidade da seguinte forma (ver imagem abaixo):
 
- onde se têm a expressão de genes da classe A, somente, há formação de sépalas;
- Expressão de C, somente, produz carpelos;
- A combinação AB especifica a formação de pétalas; e
- A combinação de BC especifica a formação de estames.
 

 
Modelo ABC de identidade floral. Imagem: Wikipedia


Descobriu-se que em plantas triplamente mutantes paras os genes das classes A, B e C, isto é, plantas nas quais os genes destas três classes fora inativados, todos os órgãos florais se desenvolvem em órgãos que parecem muito com uma folha. Só isso já dá uma boa indicação de que Goethe tinha razão. Entretanto, estudos mostraram que só esses três genes não eram capazes de transformar folhas em uma flor. Algo mais deveria estar envolvido.

Este ingrediente extra é outra classe de genes, os genes da classe SEPALLATA. Sabendo disto, pesquisadores foram capazes de criar plantas transgênicas que expressavam SEPALLATA + genes da classe B + genes da classe A em locais onde normalmente não se formavam flores. O resultado foi que eles conseguiram, com sucesso, converter folhas em pétalas, como pode ser visto na imagem abaixo. 


https://els-jbs-prod-cdn.literatumonline.com/cms/attachment/8af50eab-e3a4-4805-a4e3-58d6af9aa7bf/gr1.jpg
Conversão de folhas em pétalas. (a) Planta do tipo selvagem após a transição para o desenvolvimento reprodutivo com numerosas folhas em roseta (rl) em sua base e uma haste de inflorescência estendida com folhas caulinares (cl) e flores surgindo no ápice. (b) Plantas inteiras modificadas que possuem os transgenes das classes SEPALLATA, A e B mostram órgãos petaloides substituindo todas as folhas da roseta. (c, d) plantas inteiras com outra combinação de transgenes das supramencionadas classes, mostram as pétalas no lugar das folhas em roseta. "Ct" indica o cotilédone.


Goethe provavelmente estava com a razão. Viva a evolução.
 
(Poesia não é o meu forte) 

Referências

Este post é basicamente uma discussão do artigo "Conversion of leaves into petals in Arabidopsis", disponível online aqui.


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