quarta-feira, 22 de maio de 2019

Evolução das penas: olhando de perto e através do tempo profundo (TRADUÇÃO)

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Originalmente publicado no Science Bulletin no dia 15 de Maio de 2019. Autor: Xing Xu.

Fonte: Yang et al (2019) [9].


As últimas duas décadas testemunharam avanços significativos em nossa compreensão da evolução das principais características avianas [1], [2], [3], [4], [5], [6]. Em particular, as espetaculares descobertas de dinossauros emplumados fossilizados da China e de outros lugares forneceram insights importantes sobre a evolução das penas [1], [2]. Esses fósseis indicam que muitos dinossauros não-avianos eram animais emplumados, assim como as aves viventes , e quando mapeamos os diferentes tipos de penas presentes em vários dinossauros em sua filogenia, vemos uma tendência evolutiva clara de crescente complexidade morfológica em direção à origem das aves, com penas de voo assimétricas altamente especializadas tendo evoluído antes das primeiras aves [2]. Mesmo com esses novos fósseis significativos e dados associados, questões importantes como quando as primeiras penas evoluíram [7] e a composição microscópica das primeiras penas [8] permanecem obscuras (Fig. 1), embora dois estudos recentes forneçam novas informações sobre essas questões. [9], [10].



Fig. 1. Filogenia arcossauriana temporalmente calibrada, mostrando diferentes cenários evolutivos para penas em níveis macroscópicos ou microscópicos. No nível macro, estruturas parecidas com penas (morfologias filamentosas e ramificadas) evoluíram independentemente em pterossauros, dinossauros ornitísquios e dinossauros terópodes, e penas verdadeiras originadas dentro do Theropoda (hipótese da origem rasa*). Alternativamente, as penas têm uma única origem filogenética no ancestral comum mais recente dos dinossauros e pterossauros (hipótese da origem profunda). No nível micro, as β-queratinas de penas originaram-se nos primeiros terópodes penaraptores; ou alternativamente, as β-queratinas de penas evoluíram precocemente na evolução dos arcossauros, associadas ao aparecimento de penas filamentosas simples. Abreviaturas: A, Archosauria; B: Avemetatarsalia (o clado dinossauros + pterossauros); C, Dinosauria; D, Theropoda; DOMA, origem profunda no nível macro; DOMI, origem profunda a nível micro; SOMA, origem rasa a nível macro; SOMI, origem rasa a nível micro. 
*Neste texto, "rasa" e "profunda" têm conotações temporais; "raso", mais recente; "profundo", mais antigo.


O primeiro estudo, publicado na Nature Ecology and Evolution por Yang et al. [9], apresenta novos dados inesperados relevantes para a evolução das primeiras penas. Embora numerosos fósseis de dinossauros emplumados tenham sido descobertos ao longo dos últimos vinte anos, eles são restritos principalmente ao clado Tetanurae [2] (um subgrupo terópode importante dentro do qual as aves estão profundamente aninhadas), sugerindo que as penas são originárias de dinossauros terópodes. No entanto, existem algumas espécies de dinossauros fora dos Tetanurae que preservam estruturas integumentárias simples, monofilamentosas, que foram interpretadas como as primeiras penas [2]. Estruturas semelhantes também são conhecidas em várias espécies de pterossauros, um grupo de répteis voadores intimamente relacionados com os dinossauros, levantando a possibilidade de uma origem profunda para as penas (Fig. 1). Em outras palavras, as primeiras penas podem ter evoluído no ancestral comum mais recente dos dinossauros e pterossauros durante o início do Triássico [2], mas, essa hipótese não foi examinada em profundidade por várias razões.

No entanto, Yang et al. [9] apresentam novas evidências sugerindo que precisamos considerar seriamente a possibilidade de uma origem evolutiva precoce das penas. A evidência mais convincente apresentada em seu estudo é que as estruturas integumentárias filamentosas preservadas em dois fósseis de pterossauro exibem uma característica-chave das penas: ramificações. Algumas estruturas integumentárias fossilizadas nesses espécimes de pterossauro são compostas de múltiplos filamentos unidos em sua base, e alguns compreendem múltiplos filamentos ligados a um filamento central. Aquelas morfologias sugerem a presença de barbas e uma raque (componentes principais de uma pena)  fora de Dinosauria. Além disso, os autores demonstraram que essas estruturas integumentárias de pterossauro provavelmente representam as primeiras penas de uma perspectiva filogenética, apoiando assim a hipótese de origem profunda para a evolução das penas.

As conclusões do segundo estudo, publicado por Pan et al. [10] na edição de 19 de fevereiro de 2019 do Proceedings of National Academy of Sciences dos Estados Unidos da América, são ainda mais inesperados. Pan et al. [10] examinaram a ultraestrutura e a composição molecular de penas e bainhas de garras de vários dinossauros não-avianos e aves basais usando microscopia eletrônica de varredura (SEM), microscópio eletrônico de transmissão (TEM) e métodos de imuno-histoquímica. Surpreendentemente, eles descobriram que: (1) as estruturas filamentosas simples do Shuvuuia, um terópode maniraptoriano que divergiu cedo na linhagem, não possuem β-queratinas de penas; (2) as penas vexiladas do Anchiornis (um terópode deinonychosauriano que divergiu cedo ou um aviano que também teria divergido cedo) são formadas principalmente por α-queratinas com apenas uma pequena proporção de β-queratinas de penas. Este segundo resultado é verdadeiramente inesperado, uma vez que as penas do Anchiornis são vexiladas e quase idênticas na morfologia geral às penas de voo presentes nas aves modernas, que são dominadas na composição pelas β-queratinas. A dominância de β-queratinas em penas de voo adiciona rigidez estrutural. No entanto, esse resultado levou esses autores a sugerirem que as penas do Anchiornis carecem de algumas características moleculares das penas modernas, potencialmente necessárias para o voo ativo.

Se confirmados, os resultados derivados desses dois estudos irão avançar significativamente ou até mesmo revolucionar nosso conhecimento sobre a evolução das penas. No entanto, existem desafios para ambos os estudos. Por exemplo, enquanto a homologia primária (baseada em critérios morfológicos) das estruturas filamentosas em pterossauros e dinossauros pode ser estabelecida, a homologia secundária destas estruturas (ou seja, sendo derivadas de uma única origem filogenética) estará fadada à controvérsia, dado os registros fósseis extremamente irregulares de estruturas integumentares para dinossauros e pterossauros. Alguns desses fósseis indicam a distribuição possivelmente restrita de estruturas semelhantes a penas no corpo de algumas espécies, destacadas pelo dinossauro  Psittacosaurus , e sugerem que alguns dinossauros de outra forma escamosos, como estegossauros e anquilossauros, podem ter penas ou estruturas similares a penas (só) em certas partes de seus corpos. Nessa situação, a ausência de penas (preservadas) nesses dinossauros poderia ser o resultado de tafonomia ou preservação fóssil incompleta. Assim, a combinação de um registro fóssil irregular e preservação irregular de penas em um espécime fóssil torna extremamente difícil a confirmação da homologia secundária de estruturas semelhantes a penas em diferentes grupos fora de Tetanurae.

O segundo estudo, por Pan et al. [10], enfrentará ainda mais desafios. A dominância das α-queratinas nas penas do Anchiornis é incomum porque o mesmo estudo indica que outras penas fósseis de dinossauros não-avianos e aves basais, e até mesmo a bainha de garras fósseis de terópodes de ramificações anteriores são dominadas por β- queratinas. No entanto, os principais componentes ultraestruturais das penas do Anchiornis são filamentos espessos, ao contrário dos finos e curtos em outras penas fósseis e modernas, e, portanto, são consistentes com essa interpretação química. A ausência de β-queratinas de penas no Shuvuuia também é incomum, dado que mesmo algumas estruturas tegumentares que não são penas dos extintos arcossauros possuem β-queratinas de penas [11], [12]. As identificações de queratinas fósseis são baseadas em métodos imuno-histoquímicos, e a aplicação desta metodologia em fósseis tem sido questionada recentemente [13], possivelmente levando a um maior debate científico.

As penas têm uma origem profunda na filogenia e na evolução dos arcossauros? As penas realmente evoluíram de maneira diferente nos níveis macroscópico e microscópico/ molecular? A evidência disponível parece fornecer respostas afirmativas a ambas as questões (Fig. 1), mas fósseis em maior quantidade e melhor preservados, juntamente com a aplicação de novas técnicas e métodos, são necessários para resolver essas questões controversas sobre penas, fibras e voo.

Referências

[1] S.L. Brusatte, G.T. Lloyd, S.C. Wang, et al. Gradual assembly of avian body plan culminated in rapid rates of evolution across the dinosaur-bird transition Curr Biol, 24 (2014), pp. 2386-2392

[2] X. Xu, Z.H. Zhou, R. Dudley, et al. An integrative approach to understanding bird origins Science, 346 (2014), p. 1253293 

[3] X.T. Zheng, L. Martin, Z.H. Zhou, et al. Fossil evidence of avian crops from the early cretaceous of China Proc Natl Acad Sci USA, 108 (2011), pp. 15904-15907

[4] X.T. Zheng, J. O’Connor, F. Huchzermeyer, et al. Preservation of ovarian follicles reveals early evolution of avian reproductive behaviour Nature, 495 (2013), pp. 507-511

[5] D.J. Field, M. Hanson, D.A. Burnham, et al. Complete ichthyornis skull illuminates mosaic assembly of the avian head Nature, 557 (2018), pp. 96-100

[6] X. Xu Mosaic evolution in birds: brain vs. feeding apparatus Sci Bull, 63 (2018), pp. 812-813

[7] P.M. Barrett, D.C. Evans, N.E. Campione Evolution of dinosaur epidermal structrues
Biol Lett, 11 (2015), p. 20150229 

[8] A.E. Moyer, W. Zheng, E.A. Johnson, et al. Melanosomes or microbes: testing an alternative hypothesis for the origin of microbodies in fossil feathers Sci Rep, 4 (2014), p. 4233

[9] Z.X. Yang, B.Y. Jiang, M. McNamara, et al. Pterosaur integumentary structures with complex feather-like branching Nat Ecol Evol, 3 (2019), pp. 24-30

[10] Y.H. Pan, W.X. Zheng, R.H. Sawyer, et al. The molecular evolution of feathers with direct evidence from fossils Proc Natl Acad Sci USA, 116 (2019), pp. 3018-3023

[11] R.H. Sawyer, B.A. Salvatore, T.-T.F. Potylicki, et al. Origin of feathers: feather beta (b) keratins are expressed in discrete epidermal cell populations of embryonic scutate scales J Exp Zool (Mol Dev Evol), 295 (2003), pp. 12-24

[12] Rh. Sawyer, D.W. Lynette, B.S. Salvatore, et al. Origin of archosaurian integumentary appendages: the bristles of the wild turkey beard express feather-type b keratins J Exp Zool (Mol Dev Evol), 297 (2003), pp. 27-34

[13] E. Saitta, I. Fletcher, P. Martin, et al. Preservation of feather fibers from the late cretaceous dinosaur shuvuuia deserti raises concern about immunohistochemical analyses on fossils Org Geochem, 125 (2018), pp. 142-151


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