quarta-feira, 25 de abril de 2018

Como organizamos os seres vivos? Conceitos Fundamentais (Parte 2)





Relações filogenéticas entre os Eukarya, proposta por um recente trabalho de 2014 utilizando dados moleculares (1).Imagem disponível aqui.






Introdução

No texto 1 demos uma passada breve por inúmeros métodos de classificação ao longo da história da taxonomia, seus critérios, pensadores e momentos históricos onde eles foram desenvolvidos. Se você ainda não leu o primeiro texto desta sequência, sugiro fortemente que faça isso para melhor compreensão desse texto. Para isso basta clicar aqui.

O texto anterior trouxe uma visão histórica do problema de classificação biológica e apresenta o conceito e a odisseia em busca dos grupos naturais, terminando com uma breve introdução à história de Willi Hennig e a Sistemática Filogenética, o método que se apresenta como melhor representação classificatória para os seres vivos e o que hoje reconstrói melhor os grupos naturais (usando sempre a teoria evolutiva como base). Este tema será explicado nos próximos dois textos da série, sendo este primeiro focado nos conceitos-chave, nos levando desde a observação empírica até um conceito central na sistemática, que vai ser fundamental para dar suporte aos grupos naturais.
  1. Este texto, com certeza, será mais denso que o primeiro, mais “conteudista” e tratará de vários conceitos novos para aqueles que são leigos. Infelizmente seu professor do ensino médio, quase com certeza, não abordou esse tema nas aulas de biologia (pelo menos não com a profundidade necessária para compreender plenamente todos os conceitos de sistemática).
  2. Apesar da dificuldade extra, esse é um dos temas mais importantes dentro da biologia, principalmente para compreender a evolução dos grupos. É tema que será base fundamental para as próximas séries de textos que virão no blog.
  3. Sei que pode ser um comentário meio assustador, mas minha sugestão é que você tenha um papel e lápis (se você for "old school") ou abra o bloco de notas para anotar alguns conceitos-chave para não se perder no meio do texto, essas palavras estarão em negrito para aqueles que decidirem seguir esta recomendação.

Agora que você já está avisado da periculosidade do tema, vamos ao texto.


AnatomiComparada


Se eu te perguntasse neste momento, quais desses três animais são mais próximos evolutivamente, um cachorro, um macaco e uma água-viva, qual seria a sua resposta? Se você não estiver me trolando, a sua resposta será o cachorro e o macaco, e ela estará correta. Mas como você chegou nessa conclusão? Provavelmente utilizando anatomia comparada.

Esse conceito apesar de ter um nome muito clínico/médico, é simples de se entender e também é de suma importância para a sistemática filogenética. Aliás, mesmo antes dela, já era um dos principais critérios adotados por outros sistemas de classificação taxonômica. O cachorro e o macaco parecem ser mais próximos pois possuem características anatômicas muito parecidas: ambos tem 4 membros, possuem pelos, bochechas, ossos, coluna vertebral, olhos e dentes. Esse é basicamente o início da organização filogenética, observar os seres vivos e comparar suas características.



Homologia e Homoplasia

Bom, chegamos à primeira seção que exigirá (caso você seja leigo no assunto, é claro) algo para tomar nota. Nesta seção vou introduzir dois conceitos-chave em sistemática e na biologia evolutiva como um todo: homologia e homoplasia.

O conceito de homologia é possivelmente um dos mais difíceis de se definir dentro deste tema. Inclusive, muito se debate a respeito da melhor definição para homologia, além outras questões que fogem ao escopo deste texto. Por agora, para fins didáticos, utilizarei uma definição mais simples de homologia. Anote aí:

Homologia é uma propriedade que indica que duas estruturas em seres vivos distintos possuem uma mesma origem evolutiva, ou seja, que elas tiveram sua origem em um ancestral compartilhado entre os organismos comparados.(2)

Pode parecer uma definição bem confusa, mas com uma figura e um exemplo, podemos facilitar sua compreensão. Vejam essa imagem que mostra os ossos dos membros anteriores de quatro animais:

Figura 1 – Anatomia comparada de membros anteriores de diferentes vertebrados. Os ossos homólogos nas diferentes espécies estão representados com a mesma cor. Imagem disponível aqui.

Vamos nos atentar aos 2 ossos mais didáticos dessa imagem:

O osso branco é chamado rádio e o vermelho, ulna. Observem que a morfologia desses ossos pode ser mais ou menos semelhante, mas a posição relativa aos outros ossos é bem definida. Este é um bom exemplo de homología dos tetrápodes. Esses ossos surgiram no ancestral comum a todos os tetrápodes e desde então se modificaram durante a evolução do grupo.

Vejamos outro exemplo na figura abaixo:



Exemplo de homologia óssea, mostrando o úmero de um braço humano e o de um Celacanto (grupo Actinistia, peixes não extintos relativamente próximos aos tetrápodes), contrastados com a ausência de  úmero (homólogo) em peixes de nadadeira raiada Actinopterygii (ray-finned fish). Imagem disponível aqui.

Porém, nem tudo na biologia se reduz a homologias. Muitas estruturas se desenvolvem independentemente durante a história evolutiva, em diferentes grupos, e não são indicativos de que esses animais são próximos evolutivamente (3). Essa é a definição de homoplasia (anotem esse conceito). Homoplasias ocorrem o tempo todo na natureza, e complicam bastante a vida dos sistematas. Muitos organismos já foram historicamente agrupados por homoplasia. Por exemplo, o grupo “Articulata”, que reunia artrópodes e anelídeos utilizando como critério principal a presença de apêndices articulados. Hoje, essa característica é considerada uma homoplasia no que diz respeito a estes grupos, tendo origens evolutivas distintas(4).




Comparão entre um Diplopoda na imagem da esquerda, membro do grupo dos Arthropoda, e um Poliqueto, do grupo Anellida a direita. A semelhança de segmentão e articulão nos apêndices não é, neste caso em particular, um indício de relacionamento evolutivo próximo. Imagens aqui e aqui.

Tipos de Homoplasia

Homoplasias podem ocorrer por diversos fenômenos evolutivos. Três fontes de homoplasia são:as convergências, os casos de paralelismo e as reversões.

Convergência evolutiva. Quando duas linhagens distintas adquirem características semelhantes, mas que não remontam uma única origem ancestral comum, ou seja, elas se desenvolveram independentemente e em momentos distintos da evolução dos grupos. A convergência pode ser o resultado da ação de pressões seletivas semelhantes(5).

Um bom exemplo é a forma do corpo dos tubarões (peixes cartilaginosos) e golfinhos (mamíferos). O corpo fusiforme é hidrodinâmico, o que confere a ambos uma vantagem competitiva no ambiente marinho pela redução do arrasto, e por consequência o aumento de velocidade e diminuição do gasto energético.

Vale notar que homoplasias por convergência estão intimamente ligadas ao nicho que os organismos ocupam (6). Tanto tubarões quanto golfinhos são grandes predadores vorazes e caçadores ativos no ecossistema onde estão inseridos e, portanto, estão sujeitos às mesmas pressões evolutivas. O corpo fusiforme é uma solução ótima, em termos de forma, que foi desenvolvida pelo mecanismo de seleção natural diversas vezes na história da vida.

Imagem comparativa entre um Tubarão Branco (Carcharodon carcharias) e a Orca (Orcinus orca), que, apesar de ser conhecida como “baleia assassina”, é uma espécie de golfinho. Imagens disponíveis aqui e aqui.

Paralelismo. Os casos de paralelismo são semelhantes aos de convergência, porém com a diferença de que a estrutura em questão possui a mesma base genética, ou seja, apesar de evoluírem independentemente, o conjunto de genes responsáveis por expressar aquela característica é o mesmo (7).

Um exemplo seria o caso dos halteres, estruturas que conferem estabilidade e manobrabilidade no voo, nas ordens de insetos Diptera (moscas e mosquitos) e Strepsiptera.



À esquerda temos um estrepsíptero e à direita um mosquito da infraordem Tipulomorpha. Ambos os insetos apresentam halteres (essa estrutura indicada com seta vermelha) que são estruturas idênticas, e que possuem a mesma base genética e de desenvolvimento, porém em Diptera ela substitui o segundo par de asas, enquanto que em Strepsiptera ela substitui o primeiro par (8). Imagens aqui e aqui.

Apesar de ambos serem insetos, que estão em linhagens próximas, o halter não surge como característica do ancestral comum pois ambos os grupos estão mais próximos de outras linhagens sem halteres do que entre si (9). Provavelmente os genes envolvidos na expressão dos halteres deve ter surgido em um mesmo momento da história evolutiva dos insetos, porém a estrutura halter surge de forma independente e paralela nos dois grupos.

Reversão. Esse fenômeno pode ser interpretado como uma reversão de uma característica a um estado ancestral não característico da linhagem recente (10). Um caso de reversão curioso e bem ilustrativo é o dos Myxozoa. Esses seres unicelulares foram por muito tempo, classificados em um grupo de protozoários chamado Sporozoa, porém análises moleculares têm indicado que eles são, na verdade, um grupo de cnidários (animais majoritariamente multicelulares) que reverteu para  uma condição ancestral unicelular (11).

Na imagem da esquerda seres do grupo Myxozoa, unicelulares e parasitas de brânquias de peixes; do lado direito, águas-vivas. Por incrível que pareça, há bons indícios de que ambos sejam aparentados entre si, membros do mesmo filo (Cnidaria). Imagens aqui e aqui.

As razões para reversões na biologia são muito variadas. Em muitos casos, como o dos myxozoa, esse fenômeno está ligado ao estilo de vida, sendo bastante comum em seres parasitas. Da mesma forma, as pulgas, que são ectoparasitas (parasitam seus hospedeiros sem entrar no seu corpo) também sofreram uma reversão: a perda de asas. Todos os grupos mais aparentados das pulgas possuem asas (Mecoptera e Diptera), sendo que a condição ancestral áptera (sem asas) é bem antiga, remontando os primeiros Hexapoda.

Hipóteses de Homologia

Como já vimos, organizar seres vivos utilizando semelhanças anatômicas nem sempre nos leva ao melhor caminho. A evolução pode ser traiçoeira, e por isso devemos ter cuidado ao propor homologias. Isso é um assunto que Hennig tomou cuidado ao abordar, propondo alguns critérios para buscar homologias entre estruturas (12).

Os 3 critérios fundamentais para propor uma hipótese de homologia são:

1 - Forma: a forma de diferentes estruturas, como no primeiro exemplo de rádios e ulnas de vertebrados pode nos dar uma boa dica de que determinadas estruturas surgem no ancestral comum e divergem conforme os grupos se diversificam. Porém a forma pode confundir e ludibriar aqueles que olham para golfinhos e tubarões, animais completamente distintos em termos evolutivos, mas com uma semelhança impressionante de forma.

2 - Posição: a posição de estruturas também pode ser um critério interessante. A posição dos ossos na figura 1 se mantém a mesma para todos os ossos homólogos. Porém em estruturas muito reduzidas, pode ser complicado inferir homologias por posição.

3 - Ontogenia: um terceiro critério de homologia possível é procurar pela origem embrionária de estruturas, que também podem ser um indicativo interessante de homología. Mesmo esses casos podem sofrer com homoplasias, como no caso dos halteres em Diptera e Strepsiptera.

Teste de Congruência

As homologias podem ser bem difíceis de serem determinadas. Como vimos na seção anterior, homoplasias são muito frequentes na história evolutiva dos organismos, o que complica bastante a análise individual das características. A forma mais direta e prática que temos de verificar se as hipóteses de homologia primária (baseadas apenas em anatomia comparada e nos critérios de homologia) são de fato homologias verdadeiras e não pegadinhas da evolução é realizar um teste de congruência (13).

A lógica é a seguinte: se muitas hipóteses de homologia sugerem uma relação mais próxima entre dois organismos em relação a um terceiro, provavelmente esses hipóteses são verdadeiras.

Por exemplo:
Vamos verificar homologias de estruturas comparando 3 organismos: um tubarão, um golfinho e um cavalo

Hipótese 1 - Nadadeiras dorsais são homólogas
Hipótese 2 - Presença de osso endocondral é homóloga
Hipótese 3 -  Glândulas mamárias são homólogas
Hipótese 4 - Endotermia é homóloga

As hipóteses 2,3 e 4 indicam uma relação próxima entre golfinhos e cavalos.
A hipótese 1 sugere uma relação de parentesco mais próxima entre golfinhos e tubarões.
O nosso teste de congruência indica, portanto, que é mais provável (dentro desse pequeno conjunto de 4 características) que golfinhos e cavalos sejam mais próximos entre si. E de fato são mesmo. Nesse ponto, as características 2, 3 e 4 passam a ser hipóteses de homologia secundária.

O teste de congruência é o que garante a testabilidade do método Hennigiano de hipóteses de homologia, pois ele abre possibilidade de que, sempre que novos dados sejam levantados, a hipótese pode voltar a ser testada (14).
O Velho e o Novo

Uma vez que sabemos o que é homólogo (ou pelo menos é o que as nossas análises de teste de congruência indicam) ainda assim não podemos começar a pensar em construir grupos naturais, pois as homologias apenas nos dão uma ideia de proximidade evolutiva de dois organismos em comparação a um terceiro e não necessariamente nos dão bons critérios para sustentar um grupo natural. Para que uma homologia seja um bom critério que sustente grupos naturais elas precisam ser exclusivas daquele grupo (15). Vejamos como isso se dá nessa seção.

Todo ser vivo pode ser considerado um mosaico de características antigas, que surgiram a muito tempo em um ancestral longínquo, e características novas, novidades evolutivas recentes e exclusivas do grupo ao qual este ser vivo pertence. Em biologia evolutiva temos nomes para esses dois tipos de atributos. É hora de tomar nota mais uma vez…

Características ancestrais, que surgiram anteriormente ao grupo analisado, são chamadas de plesiomorfias. Por exemplo, em primatas a característica simetria bilateral é Plesiomórfica, pois ela surge muito antes da origem do grupo, remetendo aos ancestrais de Bilateria e é compartilhada por organismos bem diversos, desde anelídeos e  insetos até vertebrados. Outro exemplo seria a multicelularidade em moluscos, que não surge no ancestral apenas dos moluscos, mas sim no ancestral comum a todos os animais.

Já as características derivadas, novidades evolutivas do grupo analisado, são apomorfias. Elas surgem junto com o próprio grupo, sendo portanto uma característica exclusiva daquele grupo (pelo menos em termos de homología). A presença de glândulas mamárias em mamíferos, é uma apomorfia do grupo Mammalia, exclusiva do ancestral dos mamíferos e de seus descendentes. Assim como a presença de 2 pares de asas nos Hexapoda. Essas novidades evolutivas compartilhadas são chamadas de sinapomorfias, e são usadas como marcadores para definir um grupo natural ou monofilético.

Nesta seção vale ressaltar alguns pontos:

1 - Características plesiomórficas não podem ser usadas para definir um grupo. Por exemplo, não se pode definir o grupo das aves com base na presença de ovo com casca, pois essa característica surge no ancestral dos Amniota e não é uma novidade do grupo das aves. Da mesma forma, o critério “presença de núcleo nas células” não pode definir o grupo dos animais, pois essa característica surge muito antes, no ancestral de todos os Eucariotos.

2 - Eu usei a expressão “em relação ao grupo analisado” várias vezes nessa seção pois os conceitos de apomorfia e plesiomorfia são relativos. Uma mesma característica pode ser apomórfica ou plesiomórfica dependendo do grupo que está sendo analisado.

Multicelularidade pode ser apomórfico, se o grupo analisado for Metazoa (animais como um todo), porém a mesma característica é plesiomórfica se o grupo analisado for o das aves, que é apenas um ramo dentro do grande grupo dos metazoários.

Conclusão

Neste texto, saímos de anatomia comparada, algo simples baseado apenas em observações dos organismos, para chegar nas (sin)apomorfias, um conceito recheado de detalhes metodológicos e filosóficos que são as verdadeiras evidências que suportam os grupos de organismos vivos na sistemática filogenética.
Assim fechamos o nosso arcabouço teórico básico para, no próximo texto da série, falarmos da construção dos grupos naturais utilizando cladística na prática, com um exercício de reconstrução de grupos naturais, revisando todos os conceitos expostos neste texto.

O texto 3 já está disponível no blog, para ler ele basta clicar aqui.

REFERÊNCIAS

1 - Burki, F. (2014).The Origin and Evolution of Eukariotic Tree of Life from a Global Phylogenomic Perspective. Cold Spring Harb Perspectives in Biology.
Disponível em: http://cshperspectives.cshlp.org/content/6/5/a016147.full

2 - Project Understanding Evolution - Berkeley University. “Homologies and Analogies”. Disponível em: https://evolution.berkeley.edu/evolibrary/article/evo_09

3 -  Sanderson, M. J. ; Hufford, L. (1996). Homoplasy. Academic Press, San Diego.

4 -  Giribet, G. (1999). Ecdysozoa versus Articulata, dos hipótesis alternativas sobre la posición de los Artrópodos en el reino Animal. In A. Melic, et al., ed. Evolución y Filogenia de Arthropoda. Zaragoza. Zaragoza: Sociedad Entomológica Aragonesa, pp. 145-160

5 - Stayton, C. Tristan. (2015) “What Does Convergent Evolution Mean? The Interpretation of Convergence and Its Implications in the Search for Limits to Evolution.” Interface Focus 5.6  20150039. PMC. Web. 11 Apr. 2018.

6 -  Werdelin, L. (1986). "Comparison of Skull Shape in Marsupial and Placental Carnivores". Australian Journal of Zoology. 34 (2): 109–117

7 - Pearce, T. (2011). "Convergence and Parallelism in Evolution: A Neo-Gouldian Account". The British Journal for the Philosophy of Science.


9 -  Niehuis, O.; Hartig, G.; Grath, S.; Pohl, H.; Lehmann, J.; Tafer, H.; Donath, A.; Krauss, V.; Eisenhardt, C.; Hertel, J.; Petersen, M.; Mayer, C.; Meusemann, K.; Peters, R.S.; Stadler, P.F.; Beutel, R.G.; Bornberg-Bauer, E.; McKenna, D.D.; Misof, B. (2012). "Genomic and Morphological Evidence Converge to Resolve the Enigma of Strepsiptera". Current Biology.

10 - Hall, B.K. (1984), "Developmental mechanisms underlying the atavisms", Biological Reviews, 59: 89–124

11 - Chang, E.S.; Neuhof, M.;  Rubinstein, N.D.; Diamant, A.; Philippe, H.; Huchon, D. ; Cartwright, P. (2015). “Genomic insights into the evolutionary origin of Myxozoa within Cnidaria”, Proceedings of the National Academy of Sciences Dec 2015, 112 (48) 14912-14917.

12 - Hennig,  W.; Davis, D. (Translator); Zangerl, R. (Translator) (1999)  [1966]. Phylogenetic Systematics (Illinois Reissue ed.). Board of  Trustees of the University of Illinois.

13 - Farris, J. S. “The logical basis of phylogenetic analysis”. In: PLATNICK, N. I. & FUNK, V. A. (Ed.). Advances in cladistics. New York: Columbia University Press, 1983. p. 1-36.

14 - Santos, C.M.D;  Klassa, B. (2012) - “Sistemática filogenética hennigiana: revolução ou mudança no interior de um paradigma?”. Sci. stud. [online]. 2012, vol.10, n.3, pp.593-612.

15 - University of Califória Museum of Paleontology (UCMP) - Virtual Paleobotany Lab. “Phylogenetics - Cladistics”.

Disponível em: http://www.ucmp.berkeley.edu/IB181/VPL/Phylo/Phylo3.html

quinta-feira, 19 de abril de 2018

O que é um dinossauro? (Stephen Brusatte)

A imagem pode conter: desenho
Tyrannosaurus rex por Johnny Pauly. 


Assumindo uma visão reducionista, sete características são atualmente reconhecidas como sinapomorfias inequívocas dos Dinosauria. Em outras palavras, estas características são conhecidas somente entre os dinossauros verdadeiros, e estão ausentes até mesmos nos primos mais próximos dos dinossauros. Estas marcas genuínas são conhecidas através do esqueleto e incluem as seguintes. 

1. Musculatura temporal que se estende anteriormente para cima da porção superior do crânio. Os adutores mandibulares (músculos temporais) estão entre os mais fundamentais músculos da mastigação nos vertebrados: quando eles contraem, elevam a mandíbula, permitindo o fechamento da boca. Dinossauros tem um incomumente grande e extensivo conjunto de músculos adutores madibulares, os quais se expandem anterior mente até o topo do crânio. Embora a preservação de tecido muscular seja rara em fósseis de dinossauros, a localização e tamanho dos adutores mandibulares podem ser deduzidas com base na posição e tamanho de uma fossa lisa na parte superior do crânio, à qual os músculos se ligavam. Na maioria dos répteis, incluindo a maioria dos arcossauros e até mesmo tipos estreitamente relacionados aos dinossauros, como o Silesaurus, a fossa é restrita ao osso parietal, e apenas se expressa como uma estreita depressão na frente da fenestra supratemporal (uma das principais aberturas do crânio diapsida, que será descrito em maiores detalhes abaixo). Nos dinossauros, entretanto, a fossa se estende mais anteriormente para cima do osso frontal, e é muito mais profunda e mais discreta (Fig. 1.12 A, B). Isto indica que os músculos adutores madibulares eram maiores e mais poderosos nos dinossauros do que em seus parentes próximos, e provavelmente significa que os dinossauros tinha uma mordida mais forte do que outros arcossauros.
 

Figura 1.12. Características distintivas dos dinossauros. (A, B) Porções dos crânios de dois dinossauros terópodes em visão dorsal (Dubreuillosaurus e Guanlong) mostrando a extensão anterior da fossa para os músculos temporais da mandíbula no frontal. (C, D) O processo posterior bifurcado do jugal, para articulação com o quadrato-jugal (jugal e quadrado-jugal do terópode Allosaurus mostrado na articulação em C, apenas o jugal do terópode tiranossaurídeo Alioramus mostrado em D). (E, F) A epipófise, uma projeção de osso na superfície dorsal da pós-zigapófise das vértebras cervicais do grande terópode Aerosteon (E) e do tiranossaurídeo Alioramus (F). Fotografias (D) e (F) de Mick Ellison; imagem (E) cortesia do Dr. Roger Benson.


2. O processo posterior do jugal se bifurca para articular com o quadrato-jugal. O osso jugal forma a lateral da região da "bochecha" do crânio, abaixo do olho, e articula posteriormente com o quadrado-jugal.  Juntos, estes dois ossos definem a margem ventral da fenestra temporal lateral, a segunda das duas aberturas principais do crânio diapsida. Em todos os arcossauros não-dinossauros, inclusive o Silesaurus, o processo posterior do jugal afunila-se e encontra o quadrado-jugal em uma junta de sobreposição simples. Nos dinossauros, diferentemente, o processo posterior se bifurca em duas pontas, as quais se engancham no processo anterior do quadrado-jugal (Fig. 1.12 C, D). O significado biológico destas duas condições é incerto, mas é provável que os dinossauros tinham uma articulação jugal-quadrado-jugal mais forte, e isto pode ser funcionalmente associado à sua poderosa musculadora abdutora mandibular e, se infere, uma mordica mais forte.
 
3. Epipófises nas vértebras cervicais. Epipófises são projeções de ossos, que variam desde pequenas projeções a bordas salientes mais elaboradas, que se projetam das superfícies dorsais das pós-zigapófises das vértebras cervicais (aquelas partes da vértebra que articulam com a vértebra seguinte) (Fig 1.12. E, F). Estas estão presentes em todos os dinossauros, mas não em parentes próximos como Marasuchus ou Silesaurus. Vários músculos do pescoço teriam se ligado a essas estruturas, bem como alguns músculos teriam se estendido para as costas e tórax. A função primárias desses músculos é estender, rodar e reforçar o pescoço e as costas. Embora esses músculos estivessem presentes em outros arcossauros, as epipófises dos dinossauros devem ter aumentado sua área disponível para ligação, talvez indicando que esses músculos eram fortes ou capazes de maior possibilidade de movimentação.
 
4. Crista deltopeitoral alongada. A crista deltopeitoral é uma protuberância no úmero, o osso superior do braço, que ancora o músculo deltoide do ombro e o músculo peitoral do peito. Sua fonção primária é dar suporte a este segundo músculo, cuja contração traz o braço para perto do corpo. Uma crista deltopeitoral discreta está presente em muitos animais, mas é especialmente proeminente e alongada nos dinossauros, nos quais se expressa como uma borda desalinhada que se estende por 30-40% do comprimento de todo o úmero (Fig. 1.13). Na maioria dos outros arcossauros, incluindo parentes próximos dos dinossauros como Marasuchus e Silesaurus, a crista deltopeitoral é curta, menos desalinhada, e restrita à porção proximal do úmero. A larga crista deltopeitoral dos dinossauros indica que a movimentação dos membros anteriores, particularmente a abdução em direção ao corpo, era especialmente poderosa.
 



Figura 1.13. Características distintivas dos dinossauros. O úmero do terópode Liliensternus do Triássico Superior em vistas lateral (A) e anterior (B) mostrando a região crista deltopeitoral expandida.


5. Pelve com acetábulo aberto. O acetábulo é a superfície da junta na pelve que articula com o fêmur (osso da coxa). Nos humanos, é uma uma junta bola-soquete: a cabeça globular do fêmur se encaixa dentro da profunda depressão da pelve. Uma condição similar, embora com um soquete muito mais raso e cabeça do fêmur menos esférica, se faz presente na maioria dos répteis, inclusive na maioria dos arcossauros. Nestes animais, o acetábulo é sempre um soquete discreto, que é apoiado por uma parede medial de osso. Nos dinossauros, pelo contrário, a morfologia é diferente (Fig. 1.14). Em todos os dinossauros primitivos, e na maioria das espécies de dinossauros derivados, o acetábulo é "aberto" como uma janela, pois não parede medial. Esta condição é prontamente aparente até mesmo em fósseis fragmentários, já que uma margem ventral côncava do íleo (a parte mais dorsal dos três ossos da pelve)  é uma marca típica de um acetábulo aberto. Os parentes mais próximos dos dinossauros, incluindo Marasuchus e Silesaurus, tem a parte ventral do íleo essencialmente reta, mas pontuada por uma pequena concavidade. Isto é frequentemente chamado de um acetábulos "aberto incipiente", e se propõe como sendo uma morfologia transicional que foi posteriormente elaborada em uma condição totalmente aberta, encontrada nos dinossauros.
 

Fig 1.14. Características distintivas dos dinossauros. (A, B) A pélvis do terópode basal Elaphrosaurus nas vistas lateral esquerda (A) e oblíqua direita lateral / posterior (B) mostrando a articulação dos vários ossos da pelve e o distinto acetábulo aberto dos dinossauros. (C) A pelve articulada do dinossauro ornithischiano Thescelosaurus mostrando o acetábulo aberto e antitrocânter. Imagem (C) cortesia do Museu Americano de Biblioteca de História Natural (imagem # 338613). acet, acetábulo; anti, antitrocânter; gtr, trocânter maior; h, cabeça; ltr, trocânter menor.

As morfologias aberta e fechada do acetábulo tem uma significância funcional clara (Fig. 1.15). Muitos répteis, inclusive arcossauros primitivos, tinham uma postura esparramada. Nestas formas esparramadas, das quais os crocodilos são um ótimo exemplo, o fêmur é angulado para fora em uma inclinação quase horizontal, e durante a locomoção todo o peso do corpo é transmitido medialmente, diretamente entre o fêmur e a parede medial do acetábulo. Portanto, não é surpresa alguma que o acetábulo tem uma parede óssea medial para proporcionar reforçamento e dissipar o estresse. Dinossauros e parentes próximos, entretanto, têm uma postura mais ereta nas quais os membros traseiros são posicionados diretamente abaixo do corpo. Isto é facilitado por um fêmur modificado, que tem uma cabeça desviada aproximadamente 90 graus do corpo do fêmur, assim permitindo que o corpo do fêmur se reposicione sozinho em uma orientação vertical (Fig. 1.15). Como resultado, o embate do peso do corpo é transmitido entre o topo do fêmur e apenas a superfície mais superior do acetábulo, e não é defletido medialmente para o próprio acetábulo. Isto provavelmente explica porque a parede óssea, tão importante na redução do estresse nos taxa que rastejam, está ausente nos dinossauros. E também explica por quê, em comparação aos crocodilos e outros taxa de postura esparramada, dinossauros e seus parente próximos de postura mais ereta têm uma borda do osso mais robusta ao longo do topo do acetábulo. E, talvez mais reafirmante ainda, isto explica por que uma porção de arcossauros aberrantes da linhagem dos crocodilianos que se punham completamente de pé, de uma maneira dinossaurinana, como Effiia e Poposaurus, têm um acetábulo aberto quase idêntico em suas pelve.
Fig 1.15. Esquema de vetores de força em um animal de postura esparramada (um crocodilo) e um dinossauro de andar ereto. As setas cinzas indicam as principais forças criadas quando o pé impacta o solo durante a locomoção e as setas pretas indicam a direção em que esta força é transmitida dentro do corpo do animal (entre o fêmur e a pélvis). Note-se que a força interna principal em  animais que se esparramam são direcionados para dentro, explicando a parede óssea medial do acetábulo (usada para dissipar o estresse), enquanto a do dinossauro ereto é direcionada na maior parte para cima, explicando por que uma parede óssea mediana não é necessária para dissipar o estresse nesses animais (mas uma robusta borda de osso acima do acetábulo é necessário para dissipar o estresse). Modificado de Hutchinson e Gatesy (2000). Usado com permissão da Sociedade Paleontológica.

6. Quarto trocânter do fêmur assimétrico. O quarto trocânter é uma elevação na superfície posterior do fêmur e está presente em todos os arcossauros. Ele ancora a musculatura caudo-femoral, uma grande conjunto de músculos que se estende da cauda até o fêmur e primariamente age para retrair, ou empurrar para trás, a perna durante a locomoção. Muitos arcossauros ou têm um sutil sub-trocânter, indicando músculos caudo-femorais fracos, ou um trocânter simétrico e arredondado. Dinossauros, por outro lado, possuem trocânter mais ou menos em forma de crista e assimétrico, no qual a porção mais distal da crista é expandida em relação à porção proximal (Fig. 1.16D). Esta assimetria é melhor vista em visão lateral ou medial, onde é aparente que a parte distal do trocânter forma um ângulo mais acentuado com o corpo do fêmur do que o trocânter mais proximal. O significado funcional de um quarto trocânter assimétrico, em oposição a um simétrico, não está claro. Em geral, a hipótese proposta é que os maiores trocânteres dos muitos arcossauros, dinossauros e parentes próximos inclusos, estavam relacionados a movimentos dos membros de maneira mais poderosa e eficiente, em comparação com outras espécies com trocânteres delicados.  



Fig. 1.16. Características distintivas dos dinossauros. O fêmur esquerdo do tiranossaurídeo terópode Tarbosaurus nas vistas anterior (A), medial (B) e proximal (C), ilustrando a diagnóstica cabeça femoral e trocânter anterior dos dinossauros. (D) O fêmur esquerdo do pequeno terópode Miragaia em visão posterior, ilustrando o quarto trocânter assimétrico dos dinossauros.


7. A faceta articular para a fíbula ocupa menos de 30% da largura do astrágalo. O astrágalo e calcâneo são dos dos ossos tarsais proximais dos arcossauros, e eles desempenham um papel integral na mobilidade do membro traseiro através da formação da articulação primária entre a canela (fíbula e a tíbia) e o pé (Figs 1.17 e 1.18). Na linhagem arcossauria dos crocodilos, como em muitos outros répteis, o astrágalo e o calcâneo têm aparentemente o mesmo tamanho, e a linha primária de movimento no tornozelo está entre estes dois ossos, que rotacionam um contra o outro, se encaixando como um pino em um soquete. Esse conjunto de característias é geralmente chamado de "junta rotatória" ou "junta crurotarsal" (Fig. 1.18A, B).

Fig. 1.17. Características distintivas dos dinossauros. O tornozelo articulado do terópode do triássico tardio Liliensternus (A) e o Terópode ornithomimosauriano do Cretáceo tardio Gallimimus (D) mostrando a condição característica do tornozelo mesotársico em que o calcâneo é reduzido a um pequeno carretel de osso que está firmemente preso ao grande astrágalo. Os ossos do tornozelo do Liliensternus também são mostrados em vistas proximal (B) e anterior (C), e o tornozelo de Deinonychus é mostrado em vista anterior (E). Note que a seta em (B) aponta para o contato calcâneo-astrágalo: apenas uma pequena porção do astrágalo contribui para a faceta fibular (outra característica distintiva dos dinossauros). Imagem (E) tirada pelo autor, mas com copyright do Peabody do Museu de História Natural.

Todavia, dinossauros e paretes próximos são imediatamente reconhecidos por uma condição modificada, na qual o astrágalo é muito maior que o calcâneo (Fig. 1.18C). Nestes taxa, o astrágalo é firmemente apoiando contra o calcâneo e as tíbia e fíbula, e esses quatro ossos essencialmente formam um único complexo funcional, sem movimentação rotatória entre nenhum dos elementos individuais (Fig 1.17). Mais surpreendente, o astrágalo tem uma borda saliente longa, fina e similar a uma língua, chamada de processo ascendente, que  se posiciona contra a superfície anterior da tíbia distal, firmemente unindo os dois ossos. Como resultado, a linha primária de movimentação está entre a perna mais o complexo proximal dos tarsos e o próprio pé. Esta é assim chamada "junta dobradiça" ou  condição "mesotarsal" dos arcossauros da linhagem das aves, que claramente difere da condição crurotarsal da linhagem dos crocodilos.

Fig. 1.18. Mesotarsal vs. Crurotarsal. Tornozelos crurotarsais  em um crocodilo (A) e um phytosauro (um membro extinto da linhagem dos crocodilos da filogenia dos arcossauros) (B), e um tornozelo mesotarsal no dinossauromorpha basal Marasuchus (C). Nos tornozelos crotarsais o astrágalo e o calcâneo são aproximadamente iguais em tamanho e articulados em conjunto em uma articulação de encaixe bola-soquete móvel. Os tornozelos mesotársicos, no entanto, são caracterizados por um astrágalo proporcionalmente aumentado e um pequeno calcâneo, que se articula em um contato firme que não permite movimento entre eles.


Embora estes tipos gerais de tornozelo - crurotarsal versus mesotarsal - distingua a linhagem dos crocodilos da linhagem das aves, os dinossauros verdadeiros têm uma condição única a mais do tornozelo que até mesmo acossauros mesotarsais da linhagem dos dinossauros, como Silesaurus, não possuem. Nos dinossauros, a fíbula faz apenas um contato restrito com o astrágalo, tal que a faceta articular lisa para a fíbula sobre astrágalo é menos de 30% da largura do astrágalo (Fig 1.17B). Em termos funcionais, isto significa que a fíbula dos dinossauros é reduzida e a tíbia é o osso dominante da canela. Isto provavelmente está relacionado com a condição dinossauriana geral de postura ereta e locomoção rápida, pois um membro pode se mover mais rápido e mais eficientemente como uma simples estrutura, com menos possibilidade de movimentação entre ossos individuais e um osso dominante à custa dos outros. 

Em resumo, os dinossauros verdadeiros são distinguidos de todos os outros répteis por meio das sete características discutidas acima. Existe também um número adicional de características que, embora não sirvam de diganóstico do clado Dinosauria, são vistas apenas em dinossauros e em poucos parentes próximos: arcossauros da linhagem dos dinossauros, como Lagerpeton, Marasuchus, Silesaurus, e Asilisaurus, que viveram entre o começo e o fim do Triássico. Não surpreendentemente, a maioria destas características também são indicativos de uma postura ereta, locomoção rápida e esqueleto muscular reforçado.  


Tradução:

Brusatte, S. L. (2012). Dinosaur Paleobiology, Wiley-Blackwell, Oxford, UK. pp. 12-18.   

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