quinta-feira, 19 de abril de 2018

O que é um dinossauro? (Stephen Brusatte)

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Tyrannosaurus rex por Johnny Pauly. 


Assumindo uma visão reducionista, sete características são atualmente reconhecidas como sinapomorfias inequívocas dos Dinosauria. Em outras palavras, estas características são conhecidas somente entre os dinossauros verdadeiros, e estão ausentes até mesmos nos primos mais próximos dos dinossauros. Estas marcas genuínas são conhecidas através do esqueleto e incluem as seguintes. 

1. Musculatura temporal que se estende anteriormente para cima da porção superior do crânio. Os adutores mandibulares (músculos temporais) estão entre os mais fundamentais músculos da mastigação nos vertebrados: quando eles contraem, elevam a mandíbula, permitindo o fechamento da boca. Dinossauros tem um incomumente grande e extensivo conjunto de músculos adutores madibulares, os quais se expandem anterior mente até o topo do crânio. Embora a preservação de tecido muscular seja rara em fósseis de dinossauros, a localização e tamanho dos adutores mandibulares podem ser deduzidas com base na posição e tamanho de uma fossa lisa na parte superior do crânio, à qual os músculos se ligavam. Na maioria dos répteis, incluindo a maioria dos arcossauros e até mesmo tipos estreitamente relacionados aos dinossauros, como o Silesaurus, a fossa é restrita ao osso parietal, e apenas se expressa como uma estreita depressão na frente da fenestra supratemporal (uma das principais aberturas do crânio diapsida, que será descrito em maiores detalhes abaixo). Nos dinossauros, entretanto, a fossa se estende mais anteriormente para cima do osso frontal, e é muito mais profunda e mais discreta (Fig. 1.12 A, B). Isto indica que os músculos adutores madibulares eram maiores e mais poderosos nos dinossauros do que em seus parentes próximos, e provavelmente significa que os dinossauros tinha uma mordida mais forte do que outros arcossauros.
 

Figura 1.12. Características distintivas dos dinossauros. (A, B) Porções dos crânios de dois dinossauros terópodes em visão dorsal (Dubreuillosaurus e Guanlong) mostrando a extensão anterior da fossa para os músculos temporais da mandíbula no frontal. (C, D) O processo posterior bifurcado do jugal, para articulação com o quadrato-jugal (jugal e quadrado-jugal do terópode Allosaurus mostrado na articulação em C, apenas o jugal do terópode tiranossaurídeo Alioramus mostrado em D). (E, F) A epipófise, uma projeção de osso na superfície dorsal da pós-zigapófise das vértebras cervicais do grande terópode Aerosteon (E) e do tiranossaurídeo Alioramus (F). Fotografias (D) e (F) de Mick Ellison; imagem (E) cortesia do Dr. Roger Benson.


2. O processo posterior do jugal se bifurca para articular com o quadrato-jugal. O osso jugal forma a lateral da região da "bochecha" do crânio, abaixo do olho, e articula posteriormente com o quadrado-jugal.  Juntos, estes dois ossos definem a margem ventral da fenestra temporal lateral, a segunda das duas aberturas principais do crânio diapsida. Em todos os arcossauros não-dinossauros, inclusive o Silesaurus, o processo posterior do jugal afunila-se e encontra o quadrado-jugal em uma junta de sobreposição simples. Nos dinossauros, diferentemente, o processo posterior se bifurca em duas pontas, as quais se engancham no processo anterior do quadrado-jugal (Fig. 1.12 C, D). O significado biológico destas duas condições é incerto, mas é provável que os dinossauros tinham uma articulação jugal-quadrado-jugal mais forte, e isto pode ser funcionalmente associado à sua poderosa musculadora abdutora mandibular e, se infere, uma mordica mais forte.
 
3. Epipófises nas vértebras cervicais. Epipófises são projeções de ossos, que variam desde pequenas projeções a bordas salientes mais elaboradas, que se projetam das superfícies dorsais das pós-zigapófises das vértebras cervicais (aquelas partes da vértebra que articulam com a vértebra seguinte) (Fig 1.12. E, F). Estas estão presentes em todos os dinossauros, mas não em parentes próximos como Marasuchus ou Silesaurus. Vários músculos do pescoço teriam se ligado a essas estruturas, bem como alguns músculos teriam se estendido para as costas e tórax. A função primárias desses músculos é estender, rodar e reforçar o pescoço e as costas. Embora esses músculos estivessem presentes em outros arcossauros, as epipófises dos dinossauros devem ter aumentado sua área disponível para ligação, talvez indicando que esses músculos eram fortes ou capazes de maior possibilidade de movimentação.
 
4. Crista deltopeitoral alongada. A crista deltopeitoral é uma protuberância no úmero, o osso superior do braço, que ancora o músculo deltoide do ombro e o músculo peitoral do peito. Sua fonção primária é dar suporte a este segundo músculo, cuja contração traz o braço para perto do corpo. Uma crista deltopeitoral discreta está presente em muitos animais, mas é especialmente proeminente e alongada nos dinossauros, nos quais se expressa como uma borda desalinhada que se estende por 30-40% do comprimento de todo o úmero (Fig. 1.13). Na maioria dos outros arcossauros, incluindo parentes próximos dos dinossauros como Marasuchus e Silesaurus, a crista deltopeitoral é curta, menos desalinhada, e restrita à porção proximal do úmero. A larga crista deltopeitoral dos dinossauros indica que a movimentação dos membros anteriores, particularmente a abdução em direção ao corpo, era especialmente poderosa.
 



Figura 1.13. Características distintivas dos dinossauros. O úmero do terópode Liliensternus do Triássico Superior em vistas lateral (A) e anterior (B) mostrando a região crista deltopeitoral expandida.


5. Pelve com acetábulo aberto. O acetábulo é a superfície da junta na pelve que articula com o fêmur (osso da coxa). Nos humanos, é uma uma junta bola-soquete: a cabeça globular do fêmur se encaixa dentro da profunda depressão da pelve. Uma condição similar, embora com um soquete muito mais raso e cabeça do fêmur menos esférica, se faz presente na maioria dos répteis, inclusive na maioria dos arcossauros. Nestes animais, o acetábulo é sempre um soquete discreto, que é apoiado por uma parede medial de osso. Nos dinossauros, pelo contrário, a morfologia é diferente (Fig. 1.14). Em todos os dinossauros primitivos, e na maioria das espécies de dinossauros derivados, o acetábulo é "aberto" como uma janela, pois não parede medial. Esta condição é prontamente aparente até mesmo em fósseis fragmentários, já que uma margem ventral côncava do íleo (a parte mais dorsal dos três ossos da pelve)  é uma marca típica de um acetábulo aberto. Os parentes mais próximos dos dinossauros, incluindo Marasuchus e Silesaurus, tem a parte ventral do íleo essencialmente reta, mas pontuada por uma pequena concavidade. Isto é frequentemente chamado de um acetábulos "aberto incipiente", e se propõe como sendo uma morfologia transicional que foi posteriormente elaborada em uma condição totalmente aberta, encontrada nos dinossauros.
 

Fig 1.14. Características distintivas dos dinossauros. (A, B) A pélvis do terópode basal Elaphrosaurus nas vistas lateral esquerda (A) e oblíqua direita lateral / posterior (B) mostrando a articulação dos vários ossos da pelve e o distinto acetábulo aberto dos dinossauros. (C) A pelve articulada do dinossauro ornithischiano Thescelosaurus mostrando o acetábulo aberto e antitrocânter. Imagem (C) cortesia do Museu Americano de Biblioteca de História Natural (imagem # 338613). acet, acetábulo; anti, antitrocânter; gtr, trocânter maior; h, cabeça; ltr, trocânter menor.

As morfologias aberta e fechada do acetábulo tem uma significância funcional clara (Fig. 1.15). Muitos répteis, inclusive arcossauros primitivos, tinham uma postura esparramada. Nestas formas esparramadas, das quais os crocodilos são um ótimo exemplo, o fêmur é angulado para fora em uma inclinação quase horizontal, e durante a locomoção todo o peso do corpo é transmitido medialmente, diretamente entre o fêmur e a parede medial do acetábulo. Portanto, não é surpresa alguma que o acetábulo tem uma parede óssea medial para proporcionar reforçamento e dissipar o estresse. Dinossauros e parentes próximos, entretanto, têm uma postura mais ereta nas quais os membros traseiros são posicionados diretamente abaixo do corpo. Isto é facilitado por um fêmur modificado, que tem uma cabeça desviada aproximadamente 90 graus do corpo do fêmur, assim permitindo que o corpo do fêmur se reposicione sozinho em uma orientação vertical (Fig. 1.15). Como resultado, o embate do peso do corpo é transmitido entre o topo do fêmur e apenas a superfície mais superior do acetábulo, e não é defletido medialmente para o próprio acetábulo. Isto provavelmente explica porque a parede óssea, tão importante na redução do estresse nos taxa que rastejam, está ausente nos dinossauros. E também explica por quê, em comparação aos crocodilos e outros taxa de postura esparramada, dinossauros e seus parente próximos de postura mais ereta têm uma borda do osso mais robusta ao longo do topo do acetábulo. E, talvez mais reafirmante ainda, isto explica por que uma porção de arcossauros aberrantes da linhagem dos crocodilianos que se punham completamente de pé, de uma maneira dinossaurinana, como Effiia e Poposaurus, têm um acetábulo aberto quase idêntico em suas pelve.
Fig 1.15. Esquema de vetores de força em um animal de postura esparramada (um crocodilo) e um dinossauro de andar ereto. As setas cinzas indicam as principais forças criadas quando o pé impacta o solo durante a locomoção e as setas pretas indicam a direção em que esta força é transmitida dentro do corpo do animal (entre o fêmur e a pélvis). Note-se que a força interna principal em  animais que se esparramam são direcionados para dentro, explicando a parede óssea medial do acetábulo (usada para dissipar o estresse), enquanto a do dinossauro ereto é direcionada na maior parte para cima, explicando por que uma parede óssea mediana não é necessária para dissipar o estresse nesses animais (mas uma robusta borda de osso acima do acetábulo é necessário para dissipar o estresse). Modificado de Hutchinson e Gatesy (2000). Usado com permissão da Sociedade Paleontológica.

6. Quarto trocânter do fêmur assimétrico. O quarto trocânter é uma elevação na superfície posterior do fêmur e está presente em todos os arcossauros. Ele ancora a musculatura caudo-femoral, uma grande conjunto de músculos que se estende da cauda até o fêmur e primariamente age para retrair, ou empurrar para trás, a perna durante a locomoção. Muitos arcossauros ou têm um sutil sub-trocânter, indicando músculos caudo-femorais fracos, ou um trocânter simétrico e arredondado. Dinossauros, por outro lado, possuem trocânter mais ou menos em forma de crista e assimétrico, no qual a porção mais distal da crista é expandida em relação à porção proximal (Fig. 1.16D). Esta assimetria é melhor vista em visão lateral ou medial, onde é aparente que a parte distal do trocânter forma um ângulo mais acentuado com o corpo do fêmur do que o trocânter mais proximal. O significado funcional de um quarto trocânter assimétrico, em oposição a um simétrico, não está claro. Em geral, a hipótese proposta é que os maiores trocânteres dos muitos arcossauros, dinossauros e parentes próximos inclusos, estavam relacionados a movimentos dos membros de maneira mais poderosa e eficiente, em comparação com outras espécies com trocânteres delicados.  



Fig. 1.16. Características distintivas dos dinossauros. O fêmur esquerdo do tiranossaurídeo terópode Tarbosaurus nas vistas anterior (A), medial (B) e proximal (C), ilustrando a diagnóstica cabeça femoral e trocânter anterior dos dinossauros. (D) O fêmur esquerdo do pequeno terópode Miragaia em visão posterior, ilustrando o quarto trocânter assimétrico dos dinossauros.


7. A faceta articular para a fíbula ocupa menos de 30% da largura do astrágalo. O astrágalo e calcâneo são dos dos ossos tarsais proximais dos arcossauros, e eles desempenham um papel integral na mobilidade do membro traseiro através da formação da articulação primária entre a canela (fíbula e a tíbia) e o pé (Figs 1.17 e 1.18). Na linhagem arcossauria dos crocodilos, como em muitos outros répteis, o astrágalo e o calcâneo têm aparentemente o mesmo tamanho, e a linha primária de movimento no tornozelo está entre estes dois ossos, que rotacionam um contra o outro, se encaixando como um pino em um soquete. Esse conjunto de característias é geralmente chamado de "junta rotatória" ou "junta crurotarsal" (Fig. 1.18A, B).

Fig. 1.17. Características distintivas dos dinossauros. O tornozelo articulado do terópode do triássico tardio Liliensternus (A) e o Terópode ornithomimosauriano do Cretáceo tardio Gallimimus (D) mostrando a condição característica do tornozelo mesotársico em que o calcâneo é reduzido a um pequeno carretel de osso que está firmemente preso ao grande astrágalo. Os ossos do tornozelo do Liliensternus também são mostrados em vistas proximal (B) e anterior (C), e o tornozelo de Deinonychus é mostrado em vista anterior (E). Note que a seta em (B) aponta para o contato calcâneo-astrágalo: apenas uma pequena porção do astrágalo contribui para a faceta fibular (outra característica distintiva dos dinossauros). Imagem (E) tirada pelo autor, mas com copyright do Peabody do Museu de História Natural.

Todavia, dinossauros e paretes próximos são imediatamente reconhecidos por uma condição modificada, na qual o astrágalo é muito maior que o calcâneo (Fig. 1.18C). Nestes taxa, o astrágalo é firmemente apoiando contra o calcâneo e as tíbia e fíbula, e esses quatro ossos essencialmente formam um único complexo funcional, sem movimentação rotatória entre nenhum dos elementos individuais (Fig 1.17). Mais surpreendente, o astrágalo tem uma borda saliente longa, fina e similar a uma língua, chamada de processo ascendente, que  se posiciona contra a superfície anterior da tíbia distal, firmemente unindo os dois ossos. Como resultado, a linha primária de movimentação está entre a perna mais o complexo proximal dos tarsos e o próprio pé. Esta é assim chamada "junta dobradiça" ou  condição "mesotarsal" dos arcossauros da linhagem das aves, que claramente difere da condição crurotarsal da linhagem dos crocodilos.

Fig. 1.18. Mesotarsal vs. Crurotarsal. Tornozelos crurotarsais  em um crocodilo (A) e um phytosauro (um membro extinto da linhagem dos crocodilos da filogenia dos arcossauros) (B), e um tornozelo mesotarsal no dinossauromorpha basal Marasuchus (C). Nos tornozelos crotarsais o astrágalo e o calcâneo são aproximadamente iguais em tamanho e articulados em conjunto em uma articulação de encaixe bola-soquete móvel. Os tornozelos mesotársicos, no entanto, são caracterizados por um astrágalo proporcionalmente aumentado e um pequeno calcâneo, que se articula em um contato firme que não permite movimento entre eles.


Embora estes tipos gerais de tornozelo - crurotarsal versus mesotarsal - distingua a linhagem dos crocodilos da linhagem das aves, os dinossauros verdadeiros têm uma condição única a mais do tornozelo que até mesmo acossauros mesotarsais da linhagem dos dinossauros, como Silesaurus, não possuem. Nos dinossauros, a fíbula faz apenas um contato restrito com o astrágalo, tal que a faceta articular lisa para a fíbula sobre astrágalo é menos de 30% da largura do astrágalo (Fig 1.17B). Em termos funcionais, isto significa que a fíbula dos dinossauros é reduzida e a tíbia é o osso dominante da canela. Isto provavelmente está relacionado com a condição dinossauriana geral de postura ereta e locomoção rápida, pois um membro pode se mover mais rápido e mais eficientemente como uma simples estrutura, com menos possibilidade de movimentação entre ossos individuais e um osso dominante à custa dos outros. 

Em resumo, os dinossauros verdadeiros são distinguidos de todos os outros répteis por meio das sete características discutidas acima. Existe também um número adicional de características que, embora não sirvam de diganóstico do clado Dinosauria, são vistas apenas em dinossauros e em poucos parentes próximos: arcossauros da linhagem dos dinossauros, como Lagerpeton, Marasuchus, Silesaurus, e Asilisaurus, que viveram entre o começo e o fim do Triássico. Não surpreendentemente, a maioria destas características também são indicativos de uma postura ereta, locomoção rápida e esqueleto muscular reforçado.  


Tradução:

Brusatte, S. L. (2012). Dinosaur Paleobiology, Wiley-Blackwell, Oxford, UK. pp. 12-18.   

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