quinta-feira, 24 de maio de 2018

Como organizamos os seres vivos? - Construindo árvores (Parte 3)


Agradecimentos ao amigo Johnny pelo desenho autoral, para conhecer o trabalho de divulgação dele no youtube, que tem tudo a ver com o nosso, clique aqui.

No primeiro texto da série tratamos da questão histórica que envolve o problema da organização da diversidade biológica. Também definimos um conceito fundamental para tentar resolver objetivamente a questão de como organizar os seres vivos: o conceito de grupo natural. Para entender essa definição, leia a primeira parte aqui

Na segunda parte, nos aprofundamos em algumas ideias de Hennig, fundador da  Sistemática Filogenética, e construímos o conceito de sinapomorfia, os atributos que servem de base e sustentação dos grupo naturais a partir de alguns critérios de homologia. A parte 2, disponível aqui, é fundamental para compreender este texto, e a sugestão é que ele seja lido antes de prosseguirmos.  

Lendo um cladograma 
Vamos inicialmente ver como se lê um cladograma, que é a representação gráfica das relações de parentesco entre os seres vivos. Saber ler um cladograma é um passo fundamental para entendermos o exercício. Observe a figura abaixo:
 



Um cladograma apresenta algumas informações essenciais, como por exemplo as relações entre táxons ou relação de grupos-irmãos. C e D são grupos-irmãos em relação a B, o que significa que o último ancestral comum entre C e D (ancestral z)  é mais recente do que o último ancestral compartilhado entre B e D, por exemplo (ancestral y); isso sugere que há uma relação evolutiva mais íntima entre C e D do que entre B e D ou entre C e B.

É importante entendermos que o relevante nessa representação é a relação de grupos-irmãos, e não a posição dos grupos. Por exemplo os dois cladogramas abaixo são idênticos do ponto de vista filogenético:



Em ambos, C é grupo irmão de D em relação a B, e CDB formam um grupo que exclui A. Apenas o posicionamento gráfico se altera, mas as relações de parentesco permanecem as mesmas.

Agora vamos à um exercício que vai, além de revisar os conceitos do texto 2, ilustrar na prática quais os passos para irmos da observação de organismos e chegarmos aos tão procurados grupos naturais organizados em árvores.

Antes de iniciarmos, é sempre bom deixar claro que esse é apenas um exercício para apresentar a lógica por trás do método cladístico. Tanto os grupos de interesse quanto os caracteres foram selecionados de forma didática. Na prática, as coisas são bem mais complicadas que isso; árvores gigantescas são geradas a partir de matrizes com dezenas e as vezes centenas de caracteres.


Passo 1 - Definindo o grupo de interesse


Quando estava pensando em qual grupo de organismos seria interessante para fazermos esse exercício, cheguei a três conclusões.

A primeira é de que ele não pode ser muito abrangente, pois seria pouco didático tentar desenvolver relações de homologia entre estruturas bastante modificadas, mesmo que sejam derivadas de uma estrutura ancestral comum. A segunda, em contraponto, é de que não poderia ser um grupo muito restrito, como ao nível de ordem, pois além de ainda haver muitos conflitos filogenéticos nesse nível, muitas estruturas específicas teriam de ser usadas (o que demandaria inúmeros parênteses no texto, muito mais do que os que eu já uso normalmente). Por último, cheguei a conclusão que o grupo deveria ser familiar à todos, pois além de evitar múltiplas explicações adicionais (e muitos parênteses) é sempre  mais interessante para o leitor que tratemos de coisas com as quais ele está familiarizado. 

O grupo escolhido foi o dos tetrápodes, que compreende todas as linhagens de vertebrados terrestres: anfíbios, répteis, aves e mamíferos.


Passo 2 - Escolha de táxons representativos

Em sistemática, os terminais, que podem ser outros grupos ou espécies (como no nosso caso) são chamados de táxons. Selecionei 7 animais como táxons representativos e genéricos para a construção dos nossos grupos:


-Sapo
-Pombo
-Crocodilo
-Humano
-Cobra
-Ornitorrinco
-Morcego

Passo 3 - Grupo externo
Esse passo é muito importante, pois um grupo externo é o que nos dá como base quais características seriam externas ao grupo e portanto, ao menos em hipótese, plesiomórficas em relação aos tetrapoda. Esse processo se chama polarização, e o recomendado é que se use o grupo mais aparentado possível do seu grupo de interesse, para evitar um excesso de convergências entre o grupo externo e os internos. No nosso caso, o grupo considerado irmão dos tetrapoda são os peixes pulmonados (Dipnoi).

Pirambóia (Lepidosiren paradoxa), uma das 6 espécies vivas de peixes sarcopterígios pulmonados, encontrada em bacias de água doce da América do Sul, inclusive na Amazônica. Imagem disponível aqui.[1]

Passo 4 - Hipóteses de homologia primárias

Para sugerir caracteres, ou seja hipóteses de homologia, os três critérios de homologia já citados no segundo texto foram usados. Forma, posição e ontogenia (para mais detalhes, veja o segundo texto da série).

A partir desses 3 critérios foram levantados os seguintes caracteres para os tetrápodes:
 
1 - 4 membros diferenciados, sustentando o corpo
2 - Embrião menos dependente de água (com Ovo Amniótico)*
3 - Glândulas Mamárias
4 - Placenta
5 - Asas
6 - Forame mandibular**
7 - Glândulas mucosas na pele
8 - Duas fenestras temporais***

A importância evolutiva dessas características  para a evolução dos tetrápodes foge do escopo deste texto e será no futuro (olha o spolier) tratado separadamente aqui no blog.


*Ovo Amniótico: no caso dos mamíferos com placenta, esse ovo amniótico é internalizado e modificado em placenta, além de alguns anexos ,como o saco vitelínico, estarem atrofiados já que a nutrição fica por conta da mãe através do cordão umbilical.

Imagem relacionada

Imagem disponível aqui.


**Forame mandibular:

Adicionar legenda
Imagens mostrando as aberturas mandibulares no crânio de um pombo e um crocodilo. Imagens aqui e aqui.


***Duas fenestras temporais no crânio:


Crânio com duas fenestras temporais, imagem disponível aqui.


Passo 5 - Construção da matriz

Agora que o levantamento das características foi feito, vamos colocá-las em uma matriz com a a seguinte estrutura:

Linhas = táxons
Coluna = hipóteses de homologia





Preenchemos a matriz com 0 para ausência da característica e 1 para presença.


OBS: Esse não é a única forma de preencher a matriz, elas permitem caracteres com mais de dois estados (multiestado), porém esse preenchimento binário chamado de A/P (ausente-presente) é o mais simples e intuitivo.

Passo 6 - Teste de congruência
Quando organismos compartilham um mesmo estado de caráter (o 1 na nossa matriz), significa que há uma hipótese de agrupamento entre eles.
 
Ao analisarmos a hipótese 2 (ovo amniótico), ela sugere um grande grupo formado por Crocodilo, Pombo, Cobra, Ornitorrinco, Humano e Morcego. Ou seja, essa característica surge uma vez, no ancestral comum entre todos esses animais, e é herdada pelos seus descendentes. Graficamente teríamos a figura abaixo.



OBS.: Se você está se perguntando o que significa "2(1)", é o seguinte: significa que a característica dois está presente. Lembre-se que escolhemos "1" para indicar presença, e "0" para indicar ausência. De maneira geral, "X(1)" e "X(0)" significam que a característica X está presente ou ausente, respectivamente. 

Se olharmos agora para a hipótese 3 (presença de glândulas mamárias), vemos que esta característica é compartilhada por Ornitorrinco, Humano e Morcego. O significado sistemático disso é que este atributo sugere um grupo natural que une os 3 táxons, suportado por essa característica que teria surgido no ancestral comum entre eles.



Agora se sobrepusermos as duas hipóteses, o que teremos é o seguinte:


As hipóteses 2 e 3 além de não entrarem em conflito, acabam melhorando a resolução do cladograma, sendo portanto complementares.

Essa lógica será usada para todos os caracteres, as hipóteses serão comparadas e caso elas sejam congruentes ou pelo menos não excludentes (ou seja, quando tudo dá certo), temos um reforço da hipótese de agrupamento.




Homoplasias: quando nem tudo dá certo

Como exposto no texto 2, casos de surgimento independente ou perda de características ocorrem comumente durante a evolução de todos os grupo. Esses casos complicam as análises, e há um critério especial para quando isso ocorre.
Observe abaixo:
 
A hipótese 1, que sugere que os outros Tetrapoda formam um grupo natural que exclui as cobras, por conta da ausência de 4 membros diferenciados. Vamos observar uma comparação entre essa hipótese e uma outra que sugere uma redução, uma perda dos membros de maneira posterior. (As convergências estão indicadas pelos retângulos não preenchidos de preto) 


 
Observe que, se compararmos as duas hipóteses, a segunda é mais simples, pois requer um número de passos menor do que a primeira, portanto, é a mais provável de ter ocorrido.
Essa ideia ilustra o princípio de parcimônia, um critério utilizado por Hennig para podermos nos decidir entre hipóteses conflitantes. O princípio se baseia na navalha de Occam e diz que, quando hipóteses entram em conflito, devemos preferir aquela mais simples. No caso da sistemática, significa que a melhor hipótese deve ser aquela que exige um menor número de passos evolutivos (surgimento de características) e consequentemente, um menor número de homoplasias [2]. 

Se voltarmos na comparação anterior, veremos claramente que a hipótese que sugere perda posterior dos membros pelas cobras é muito mais parcimoniosa que aquela que sugere que as cobras nunca possuíram um ancestral com pernas, sendo portanto excluído do grupo dos tetrápodes.

O mesmo pode ser observado na hipótese 5 (presença de asas) que sugere que existe um agrupamento entre morcegos e aves, e que portanto as asas surgiriam uma única vez nos tetrápodes. Porém, ao analisar os cladogramas comparativos abaixo, vemos que esse agrupamento é pouco provável,  pois ele exigirá o surgimento de 2 características duas vezes na história evolutiva, além da redução de mais duas, o que seria muito mais improvável que se apenas as asas tivessem surgido independentemente.


O mais parcimonioso portanto seria que, Pombo é táxon irmão de Crocodilo, já Morcego é um táxon irmão de Humanos. Este é o resultado mais parcimonioso para o nosso conjunto de dados. Da mesma forma, as cobras formam um grupo junto com os lagartos, seriam um grupo dentro dos tetrápodes que perdeu os membros.

Assim chegamos a nossa arvore final, ou seja, aquela que melhor explica a evolução dos tetrápodes (nos baseando apenas nas poucas características listadas). Ou seja, chegamos na melhor hipótese de relacionamento evolutivo entre os animais em questão, levando em conta o critério de parcimônia, onde consideramos como a melhor hipótese aquela mais simples, que demanda uma menor quantidade de homoplasias e passos evolutivos.

Grupos, finalmente! 
Agora que nossa árvore está montada, podemos identificar os grupos naturais e caracterizar também alguns agrupamentos não-naturais.
 
Grupos naturais:
 
Os grupos naturais em sistemática são chamados de grupos monofiléticos Estes grupos devem incluir o ancestral comum hipotético e todos os seus descendentes [3]. Olhando para a nossa árvore podemos ver vários grupos monofiléticos. O grupo dos tetrápodes é monofilético, pois inclui o ancestral comum hipotético (marcado em verde) e todos os seus descendentes. Outro grupo monofilético é o que agrupa Ornitorrincos, Morcegos e Humanos, e inclui seu último ancestral comum (marcado em roxo);este grupo é chamado de Mammalia na literatura científica.




Grupos não-naturais:

Há basicamente 2 tipos de agrupamentos não naturais em sistemática, os grupos parafiléticos e os polifiléticos.
 
Parafilético: Um grupo que reúne ancestral comum, porém que exclui um ou mais de seus descendentes [3].  Um exemplo de grupo parafilético seria "Répteis" senso comum (cobras, lagartos, tartarugas, crocodilos), pois o grupo das aves também compartilha esse mesmo ancestral, isto é, podemos dizer que aves são répteis. Se incluirmos aves em répteis, aí sim teremos um grupo monofilético.




Polifiléticos: Caso o nosso agrupamento com base nas asas fosse retomado, a partir da nossa nova filogenia, ele seria polifilético, pois agrupa dois terminais, que não compartilham um ancestral comum imediato [3]. Para que haja um grupo natural que inclua pombos e morcegos, ele deve incluir também seu último ancestral comum(marcado em roxo) e todos os descendentes: pombo, morcego, ornitorrinco, humano, cobra, crocodilo. Esse grupo monofilético é chamado na taxonomia atual de Amniota.






Conclusão 
Chegamos ao fim de mais um texto sobre organização dos seres vivos. Agora já sabemos na prática qual lógica a sistemática usa para agrupar seres vivos, a partir de hipóteses de homologia, chegando finalmente nos tão procurados grupos naturais, que em sistemática ganham o nome de Grupos Monofiléticos . No próximo texto falaremos um pouco sobre algumas mudanças no método desde que ele começou a ser largamente difundido. Falando sobre a relação entre sistemática e a biologia molecular e análises computacionais. 


O texto 4 já saiu você pode acessâ-lo clicando aqui.

Referências
  1. Froese, R. ; Pauly, D. 2018. FishBase. World Wide Web electronic publication.  Disponível em: www.fishbase.org 
  2. Farris, J. S. (1983). The logical basis of phylogenetic analysis. In Advances in Cladistics Vol. 2 (eds. N. I. Platnick, and V. A. Funk), pp. 7-36. Columbia University Press, New York, New York. 
  3. Ashlock, P. D. (March 1971). "Monophyly and Associated Terms". Systematic Zoology. Society of Systematic Biologists. 20 (1): 63–69.


sábado, 19 de maio de 2018

Datação Radiométrica - Uma perspectiva cristã (Dr. Roger C. Wiens) - Parte I


Este artigo é uma tradução. Original + referências aqui.

O Dr. Wiens é PhD em Física, com especialização em Geologia. Sua tese de doutorado foi sobre razões de isótopos em meteoritos, incluindo a datação por exposição superficial. Ele estava empregado na Divisão de Ciências Geológicas e Planetárias da Caltech na época em que escrevia a primeira edição. Atualmente, ele está empregado no Grupo de Ciências Atmosféricas e Espaciais do Laboratório Nacional de Los Alamos.


Primeira edição de 1994; versão revisada 2002.

A datação radiométrica - o processo de determinação da idade das rochas a partir da decomposição de seus elementos radioativos - tem sido amplamente usada por mais de meio século. Há mais de quarenta dessas técnicas, cada uma usando um elemento radioativo diferente ou uma maneira diferente de medi-las. Tornou-se cada vez mais claro que essas técnicas de datação radiométrica estão de acordo entre si e, como um todo, apresentam um quadro coerente em que a Terra foi criada há muito tempo. Outra evidência vem do acordo completo entre datas radiométricas e outros métodos de datação, como a contagem de anéis de árvores ou camadas de núcleo de gelo glacial. Muitos cristãos foram levados a desconfiar de datações radiométricas e desconhecem completamente o grande número de medições laboratoriais que mostraram que esses métodos são consistentes. Muitos também não sabem que os cristãos que acreditam na Bíblia estão entre aqueles ativamente envolvidos na datação radiométrica.

Este artigo descreve em termos relativamente simples como algumas técnicas de datação funcionam, com que precisão as meias-vidas dos elementos radioativos e as próprias datas da rocha são conhecidas, e como as datas são verificadas entre si. No processo, o documento refuta vários equívocos predominantes entre os cristãos de hoje. Este artigo está disponível na web através da American Scientific Affiliation e sites relacionados para promover uma maior compreensão e sabedoria sobre esta questão, particularmente dentro da comunidade cristã.



Introdução

Argumentos sobre a idade da Terra às vezes têm sido divisivos para pessoas que consideram a Bíblia como a palavra de Deus. Mesmo que a idade da Terra nunca seja mencionada na Bíblia, é uma questão porque aqueles que adotam uma visão estritamente literal dos primeiros capítulos de Gênesis podem calcular uma data aproximada para a criação somando os períodos de vida das pessoas mencionadas nas genealogias. Assumindo uma interpretação estritamente literal da semana da criação, mesmo que algumas das gerações tenham ficado de fora das genealogias, a Terra teria menos de dez mil anos de idade. Técnicas de datação radiométrica indicam que a Terra é milhares de vezes mais velha do que isso - aproximadamente quatro e meio bilhões de anos de idade. Muitos cristãos aceitam isso e interpretam o relato de Gênesis de maneiras menos cientificamente literais. No entanto, alguns cristãos sugerem que as técnicas de datação geológica não são confiáveis, que são erroneamente interpretadas ou que, na melhor das hipóteses, são confusas. Infelizmente, grande parte da literatura disponível para os cristãos tem sido imprecisa ou difícil de entender, de modo que a confusão sobre as técnicas de datação continua.

As próximas páginas cobrem um amplo panorama das técnicas de datação radiométrica, mostram alguns exemplos e discutem o grau em que os vários sistemas de datação estão de acordo uns com os outros. O objetivo é promover uma maior compreensão sobre esta questão, particularmente para a comunidade cristã. Muitas pessoas foram levadas a ser céticas quanto a datação sem saber muito a respeito. Por exemplo, a maioria das pessoas não percebe que a datação por carbono é raramente usada em rochas. Deus nos convidou a sermos "sábios como as serpentes" (Mt 10:16) mesmo nesta era científica. Apesar disso, as diferenças ainda ocorrem dentro da igreja. Um desacordo sobre a idade da Terra é relativamente menor em todo o escopo do cristianismo; é mais importante concordar com o Rock of Ages do que com a idade das rochas. Mas porque Deus também nos chamou à sabedoria, esta questão é digna de estudo.

Visão geral


As rochas são feitas de muitos cristais individuais, e cada cristal é geralmente composto de pelo menos vários elementos químicos diferentes, como ferro, magnésio, silício, etc. A maioria dos elementos na natureza é estável e não muda. No entanto, alguns elementos não são completamente estáveis em seu estado natural. Alguns dos átomos eventualmente mudam de um elemento para outro por um processo chamado decaimento radioativo. Se houver muitos átomos do elemento original, chamado de elemento pai, os átomos decairão para outro elemento, chamado de elemento filho, a uma taxa previsível. A passagem do tempo pode ser mapeada pela redução no número de átomos-parentais e o aumento no número de átomos-filhos.

A datação radiométrica pode ser comparada a uma ampulheta. Quando o vidro é virado, a areia vai de cima para baixo. Átomos radioativos são como grãos individuais de areia - os decaimentos radioativos são como a queda de grãos do topo até o fundo do copo. Você não pode prever exatamente quando um determinado grão chegará ao fundo, mas você pode prever de uma vez para a próxima quanto tempo todo o monte de areia leva para cair. Uma vez que toda a areia tenha caído do topo, a ampulheta não marcará mais o tempo a menos que seja virada novamente. Da mesma forma, quando todos os átomos do elemento radioativo se forem, a rocha não marcará mais o tempo (a menos que receba um novo lote de átomos radioativos).


Figura 1. A taxa de perda de areia a partir do topo de uma ampulheta em comparação com o tipo exponencial de decaimento de elementos radioativos. A maioria dos processos com os quais estamos familiarizados são como areia em uma ampulheta. No decaimento exponencial, a quantidade de material diminui pela metade durante cada meia-vida. Após duas meias-vidas, um quarto permanece, após três meias-vidas, um oitavo, etc. Como mostrado no painel inferior, o elemento-filho ou quantidade de isótopo aumenta rapidamente no início e mais lentamente a cada meia-vida subsequente.


Ao contrário da ampulheta, onde a quantidade de areia caindo é constante até o final, o número de decaimentos de um número fixo de átomos radioativos diminui, pois há menos átomos para decair (veja a Figura 1). Se demorar um certo período de tempo para a metade dos átomos decair, levará mesma quantidade de tempo para para a metade dos átomos restantes, ou um quarto do total original, decair. No próximo intervalo, com apenas um quarto restante, apenas um oitavo do total original irá decair. No momento em que dez desses intervalos, ou meias-vidas, passaram, resta menos de um milésimo do número original de átomos radioativos. A equação da fração de átomos-pais remanescentes é muito simples. O tipo de equação é exponencial e está relacionado a equações que descrevem outros fenômenos bem conhecidos, como o crescimento populacional. Nenhum desvio foi encontrado ainda desta equação para o decaimento radioativo.

Também ao contrário da ampulheta, não há como alterar a taxa de decaimento de átomos radioativos nas rochas. Se você agitar a ampulheta, girá-la ou colocá-la em um veículo de aceleração rápida, o tempo que a areia leva para cair mudará. Mas os átomos radioativos usados em técnicas de datação foram submetidos a calor, frio, pressão, vácuo, aceleração e fortes reações químicas na proporção em que seriam experimentadas por rochas ou magma no manto, crosta ou superfície da Terra ou outros planetas sem qualquer alteração significativa na sua taxa de decaimento.

Em apenas alguns casos especiais, observou-se que qualquer taxa de decaimento varia, e nenhum desses casos especiais se aplica à datação de rochas, como discutido aqui. Essas exceções são discutidas posteriormente.

Uma ampulheta informará a hora corretamente somente se estiver completamente lacrada. Se tiver um buraco que permita que os grãos de areia escapem pelo lado em vez de atravessar o pescoço, isso dará o intervalo de tempo errado. Da mesma forma, uma rocha que deve ser datada deve ser selada contra a perda ou a adição átomos radioativos, pais ou filhos. Se perdeu alguma quantidade do elemento filho, ela dará uma idade imprecisamente jovem. Como será discutido mais adiante, a maioria das técnicas de datação tem maneiras muito boas de dizer se tal perda ocorreu, em cujo caso a data é descartada (assim como a rocha!).

Uma ampulheta mede quanto tempo passou desde que foi virada. (Na verdade, diz quando um período específico, por exemplo, 2 minutos, uma hora, etc., passou, portanto a analogia não é perfeita.) A datação radiométrica das rochas também informa quanto tempo se passou desde que algum evento ocorreu. Para rochas ígneas, o evento geralmente é seu resfriamento e endurecimento a partir do magma ou lava. Para alguns outros materiais, o evento é o fim de um evento de aquecimento metamórfico (em que a rocha é assada no subsolo a geralmente mais de mil graus Fahrenheit), a descoberta de uma superfície pela ação de raspagem de uma geleira, o lascamento de um meteorito fora de um asteróide, ou o período de tempo que se passou desde que uma planta ou animal morreu.

Os relógios radiométricos


Existem agora mais de quarenta técnicas de datação radiométrica diferentes, cada uma baseada em um isótopo radioativo diferente.

O termo isótopo subdivide os elementos em grupos de átomos que possuem o mesmo peso atômico. Por exemplo, o carbono tem isótopos de peso 12, 13 e 14 vezes a massa de um nucleon, referido como carbono-12, carbono-13 ou carbono-14 (abreviado como 12C, 13C, 14C). É apenas o isótopo do carbono 14 que é radioativo. Isso será discutido mais adiante em uma seção posterior.

Tabela 1. Alguns Isótopos Radioativos que Ocorrem Naturalmente e suas meias-vidas


Uma lista parcial dos isótopos pai e filho e as meias-vidas de decaimento são dadas na Tabela 1. Observe a grande variação nas meias-vidas. Os isótopos com meias-vidas longas decaem muito lentamente e, portanto, são úteis para datação de eventos correspondentemente antigos. Isótopos com meias-vidas mais curtas não podem datar eventos muito antigos, porque todos os átomos do isótopo parental já teriam se decomposto, como uma ampulheta em posição de equilíbrio com toda a areia na parte inferior. Os isótopos com meias-vidas relativamente curtas são úteis para datar intervalos correspondentemente mais curtos, e geralmente podem fazê-lo com maior precisão, da mesma forma que você usaria um cronômetro em vez de um relógio de pêndulo para medir uma corrida de 100 metros. Por outro lado, você usaria um calendário, não um relógio, para gravar intervalos de tempo de várias semanas ou mais.

As meias-vidas foram todas medidas diretamente ou usando um detector de radiação para contar o número de átomos que decaem em um determinado período de tempo a partir de uma quantidade conhecida do material parental, ou medindo a razão de átomos-filhos em uma amostra que originalmente consistia completamente de átomos-pais. Os trabalhos sobre datação radiométrica começaram logo após a virada do século 20, mas o progresso foi relativamente lento antes do final dos anos 40. No entanto, até agora tivemos mais de cinquenta anos para medir e medir novamente as meias-vidas de muitas das técnicas de datação. Uma contagem muito precisa dos eventos de decaimento ou dos átomos-filhos pode ser feita, por exemplo, enquanto o número de átomos de rênio-187 decaindo em 50 anos é uma fração muito pequena do total, os átomos de ósmio-187 resultantes podem ser muito precisamente contados. Por exemplo, lembre-se de que apenas um grama de material contém mais de 10^21 (1 com 21 zeros atrás) átomos. Mesmo se apenas um trilionésimo dos átomos decair em um ano, isso ainda é milhões de decaimentos, cada um dos quais pode ser contado por um detector de radiação!

As incertezas nas meias vidas dadas na tabela são muito pequenas. Todas as meias-vidas são melhores do que cerca de dois por cento, exceto para rênio (5%), lutécio (3%) e berílio (3%). Não há evidências de que alguma das meias-vidas tenha mudado com o tempo. Na verdade, como discutido abaixo, tem-se observado que  elas não mudaram em centenas de milhares de anos.

Exemplos de métodos de datação para rochas ígneas


Agora vamos ver como funcionam os métodos atuais de datação. Rochas ígneas são boas candidatas para datação. Lembre-se que, para rochas ígneas, o evento que está sendo datado é quando a rocha foi formada de magma ou lava. Quando o material derretido esfria e endurece, os átomos não estão mais livres para se movimentar. Átomos filhos que resultam de decaimentos radioativos que ocorrem depois que a rocha esfria são congelados no local onde foram gerados dentro da rocha. Esses átomos são como os grãos de areia que se acumulam no fundo da ampulheta. Determinar a idade de uma rocha é um processo de duas etapas. Primeiro, é preciso medir o número de átomos-filhos e o número de átomos-parentais restantes e calcular a razão entre eles. Em seguida, a meia-vida é usada para calcular o tempo necessário para produzir essa proporção de átomos-parentais para para átomos-filhos.

No entanto, há uma complicação. Não se pode sempre supor que não havia átomos- filhos desde o começo. Acontece que há alguns casos em que podemos fazer essa suposição de forma bastante confiável. Mas na maioria dos casos, a quantidade inicial do produto derivado deve ser determinada com precisão. Na maioria das vezes pode-se usar as diferentes quantidades de parentais e filhos presentes em diferentes minerais dentro da rocha para dizer o quanto dos filhos estava originalmente presente. Cada mecanismo de datação lida com esse problema à sua maneira. Alguns tipos de datação funcionam melhor em algumas rochas; outros são melhores em outras rochas, dependendo da composição da rocha e da sua idade. Vamos examinar alguns dos diferentes mecanismos de datação agora.
 
Potássio-Argônio. O potássio é um elemento abundante na crosta terrestre. Um isótopo, o potássio-40, é radioativo e decompõe-se em dois produtos secundários diferentes, cálcio-40 e argônio-40, por dois métodos diferentes de decaimento. Isso não é um problema porque a taxa de produção desses dois produtos derivados é precisamente conhecida e é sempre constante: 11,2% torna-se argônio-40 e 88,8% transforma-se em cálcio-40. É possível datar algumas rochas pelo método do potássio-cálcio, mas isto não é feito frequentemente porque é difícil determinar quanto cálcio estava inicialmente presente. O argônio, por outro lado, é um gás. Sempre que a rocha é derretida para se tornar magma ou lava, o argônio tende a escapar. Uma vez que o material fundido endurece, ele começa a reter o novo argônio produzido desde o endurecimento. Desta forma, o relógio de potássio-argônio é claramente resetado quando uma rocha ígnea é formada.

Em sua forma mais simples, o geólogo simplesmente precisa medir as quantidades relativas de potássio-40 e argônio-40 para datar a rocha. A idade é dada por uma equação relativamente simples:
 
t = h x ln[1 + (argônio-40)/(0.112 x (potássio-40))]/ln(2)
 
onde t é o tempo em anos, h é a meia-vida, também em anos, e ln é o logaritmo natural. 

No entanto, na realidade, muitas vezes há uma pequena quantidade de argônio permanecendo em uma rocha quando ela endurece. Isso geralmente é preso na forma de bolhas de ar muito pequenas na rocha. Um por cento do ar que respiramos é argônio. Qualquer argônio extra das bolhas de ar pode precisar ser levado em consideração se for significativo em relação à quantidade de argônio radiogênico (ou seja, argônio produzido por decaimentos radioativos). Esse provavelmente seria o caso em rochas jovens que não tiveram tempo de produzir muito argônio radiogênico, ou em rochas que têm pouco potássio parental. É preciso ter uma maneira de determinar quanto argônio aéreo está na rocha. Isso é feito com bastante facilidade porque o argônio aéreo tem alguns outros isótopos, dos quais o mais abundante é o argônio-36. A proporção de argônio-40 para argônio-36 no ar é bem conhecida, em 295. Assim, se medirmos argônio-36 e argônio-40, podemos calcular e subtrair o ar-argônio-40 para obter uma idade precisa.

Uma das melhores maneiras de mostrar que uma datação de idade é correta é confirmá-la com um ou mais métodos de datação diferentes. Embora o potássio-argônio seja um dos métodos de datação mais simples, ainda existem alguns casos em que ele não concorda com outros métodos. Quando isso acontece, geralmente é porque o gás dentro das bolhas na rocha é do subterrâneo profundo e não do ar. Este gás pode ter uma concentração maior de argônio-40 escapando do derretimento de rochas mais antigas. Isso é chamado de argônio-40 sem parentais porque seu potássio parental não está na rocha que está sendo datado, e também não é do ar. Nestes casos ligeiramente incomuns, a data dada pelo método normal de potássio-argônio é muito antiga. No entanto, os cientistas em meados da década de 1960 surgiram com uma maneira de contornar esse problema, o método argônio-argônio, discutido na próxima seção.

Alguns proponentes da Terra jovem relataram recentemente que as rochas eram datadas pelo método do potássio-argônio como tendo vários milhões de anos quando na verdade têm apenas alguns anos de idade. Mas o método de potássio-argônio, com sua longa meia-vida, nunca foi planejado para datar rochas com apenas 25 anos de idade. Essas pessoas só conseguiram mostrar  que se pode enganar um dado método de datação radiométrica quando se usa ele indevidamente. As falsas idades radiométricas de vários milhões de anos são devidas ao argônio órfão, como descrito aqui, e relatado pela primeira vez na literatura cerca de cinquenta anos atrás. Note que seria extremamente improvável que outro método de datação concordasse com essas idades falsas. Obter um acordo entre mais de um método de datação é uma prática recomendada.

 
Argônio-argônio. Apesar de existir há quase meio século, o método argônio-argônio raramente é discutido por grupos críticos dos métodos de datação. Este método usa exatamente os mesmos isótopos pai e filho que o método potássio-argônio. Com efeito, é uma maneira diferente de contar o tempo a partir do mesmo relógio. Em vez de simplesmente comparar o potássio total com o argônio não aéreo na rocha, este método tem uma maneira de dizer exatamente o qual e  quanto argônio está diretamente relacionado ao potássio na rocha.

No método argônio-argônio, a rocha é colocada perto do centro de um reator nuclear por um período de horas. Um reator nuclear emite um número muito grande de nêutrons, que são capazes de transformar uma pequena quantidade do potássio-39 em argônio-39. Argônio-39 não é encontrado na natureza porque tem apenas uma meia-vida de 269 anos. (Essa meia-vida não afeta o método de datação de argônio-argônio, desde que as medições sejam feitas dentro de cerca de cinco anos da dose de nêutrons). A rocha é então aquecida em um forno para liberar o argônio-40 e o argônio-39 (representando o potássio) para análise. O aquecimento é feito em temperaturas incrementalmente mais altas e a cada passo a razão de argônio-40 para argônio-39 é medida. Se o argônio-40 é da decomposição do potássio dentro da rocha, ele sairá nas mesmas temperaturas que o argônio-39 derivado do potássio e em uma proporção constante. Por outro lado, se houver algum excesso de argônio-40 na rocha, causará uma proporção diferente de argônio-40 a argônio-39 em alguns ou muitos dos passos de aquecimento, então os diferentes passos de aquecimento não estarão de acordo um com o outro.
 
Figura 2. Um gráfico de datação típico do método argônio-argônio. Cada pequeno retângulo representa a idade aparente dada em uma determinada temperatura do passo de aquecimento. As partes superior e inferior dos retângulos representam limites superiores e inferiores para essa determinação específica. A idade é baseada na razão  argônio-40 / argônio-39 medida e no número de nêutrons encontrados no reator. O eixo horizontal indica a quantidade total de argônio-39 liberada da amostra. Uma boa determinação de idade argônio-argônio terá muitos passos de aquecimento que todos concordam um com o outro. A "idade do planalto" é a idade dada pela média da maioria das etapas, neste caso quase 140 milhões de anos. Depois de S. Turner et al. (1994) Earth and Planetary Science Letters, 121, pp. 333-348.


A Figura 2 é um exemplo de uma boa datação argônio-argônio. O fato de que este gráfico é plano mostra que essencialmente todo o argônio-40 é de decaimento de potássio dentro da rocha. O teor de potássio-40 da amostra é encontrado multiplicando-se o argônio-39 por um fator baseado na exposição a nêutrons no reator. Quando isso é feito, o platô na figura representa uma data de idade baseada no decaimento do potássio-40 para o argônio-40.

Figura 3

 

Há ocasiões em que o método de datação de argônio-argônio não dá uma idade, mesmo se houver potássio suficiente na amostra e a rocha tiver idade suficiente para datar. Isso ocorre com mais frequência se a rocha experimentou uma temperatura alta (geralmente mil graus Fahrenheit ou mais) em algum momento desde a sua formação. Se isso ocorrer, parte do gás de argônio se moverá e a análise não dará um platô suave nos degraus da temperatura de extração. Um exemplo de uma análise de argônio-argônio que não produziu uma datação de idade é mostrado na Figura 3. Observe que não há um bom platô nesta plotagem. Em alguns casos, haverá dois platôs, um representando a idade de formação e outro representando o tempo em que ocorreu o episódio de aquecimento. Mas na maioria dos casos em que o sistema foi perturbado, simplesmente não há data marcada. O ponto importante a ser observado é que, em vez de fornecer datas de idade erradas, esse método simplesmente não fornece uma data se o sistema tiver sido afetado. Isso também é verdade para vários outros métodos de datação de rochas ígneas, como descreveremos a seguir.

Rubídio-estrôncio
. Em quase todos os métodos de datação, exceto o potássio-argônio e o método de argônio-argônio associado, há sempre alguma quantidade do produto filho já na rocha quando esfria. Usar esses métodos é um pouco como tentar distinguir o tempo de uma ampulheta que foi virada antes de toda a areia cair para o fundo. Pode-se pensar em maneiras de corrigir isso em uma ampulheta: pode-se fazer uma marca na parte externa do vidro de onde o nível de areia começou e depois repetir o intervalo com um cronômetro na outra mão para calibrá-lo. Ou, se for inteligente, ele ou ela poderia examinar a forma da ampulheta e determinar que fração de toda a areia estava no topo para começar. Sabendo quanto tempo leva toda a areia para cair, pode-se determinar quanto tempo o intervalo de tempo foi. Da mesma forma, há boas maneiras de dizer com precisão quanto do produto filho já estava na rocha quando esta esfriava e endurecia.

No método do rubídio-estrôncio, o rubídio-87 decai com uma meia-vida de 48,8 bilhões de anos para o estrôncio-87. O estrôncio tem vários outros isótopos que são estáveis e não se decompõem. A proporção de estrôncio-87 para um dos outros isótopos estáveis, como o estrôncio-86, aumenta com o tempo, à medida que mais  rubídio-87 se transforma em estrôncio-87. Mas quando a rocha esfria, todas as partes da rocha têm a mesma proporção de estrôncio-87 / estrôncio-86 porque os isótopos foram misturados no magma. Ao mesmo tempo, alguns dos minerais na rocha têm uma razão maior de rubídio / estrôncio do que outros. O rubídio tem um diâmetro atômico maior que o estrôncio, de modo que o rubídio não se encaixa na estrutura cristalina de alguns minerais, além de outros.

Figura 4. Um gráfico de três isótopos de rubídio-estrôncio. Quando uma rocha esfria, todos os seus minerais têm a mesma proporção de estrôncio-87 para estrôncio-86, embora tenham quantidades variáveis de rubídio. À medida que a rocha envelhece, o rubídio diminui mudando para estrôncio-87, como mostrado pelas setas pontilhadas. Minerais com mais rubídio ganham mais estrôncio-87, enquanto aqueles com menos rubídio não mudam tanto. Observe que, a qualquer momento, todos os minerais estão alinhados - uma verificação para garantir que o sistema não tenha sido afetado.

Figura 5. A quantidade original estrôncio-87 filho pode ser determinada com precisão a partir da composição atual, estendendo a linha através dos pontos de dados até o rubídio-87 = 0. Isso funciona porque se não houvesse rubídio-87 no amostra, a composição de estrôncio não mudaria. A inclinação da linha é usada para determinar a idade da amostra.

A Figura 4 é um tipo importante de plotagem usada na datação de rubídio-estrôncio. Mostra a relação estrôncio-87 / estrôncio-86 no eixo vertical e a razão rubídio-87 / estrôncio-86 no eixo horizontal, ou seja, traça uma relação do isótopo filho contra uma relação do isótopo parental. Inicialmente, todos os minerais se encontram ao longo de uma linha horizontal cuja relação estrôncio-87 / estrôncio-86 é constante, mas com rubídio / estrôncio variável. Quando a rocha começa a envelhecer, o rubídio é convertido em estrôncio. A quantidade de estrôncio adicionada a cada mineral é proporcional à quantidade de rubídio presente. Esta mudança é mostrada pelas setas tracejadas, cujos comprimentos são proporcionais à razão rubídio / estrôncio. As setas tracejadas são inclinadas porque a razão rubídio / estrôncio está diminuindo proporcionalmente ao aumento de estrôncio-87 / estrôncio-86. A linha sólida traçada através das amostras irá, assim, rodar progressivamente da horizontal para inclinações cada vez mais íngremes.

Todas as linhas traçadas através dos pontos de dados em qualquer momento posterior irão cruzar a linha horizontal (razão estrôncio-87 / estrôncio-86 constante ) no mesmo ponto no canto inferior esquerdo. Este ponto, onde o rubídio-87 / estrôncio-86 = 0 diz a relação original estrôncio-87 / estrôncio-86. A partir disso, podemos determinar estrôncio-87 filho original em cada mineral, que é exatamente o que precisamos saber para determinar a idade correta. Acontece também que a inclinação da linha é proporcional à idade da rocha. Quanto mais antiga a rocha, mais íngreme será a linha. Se a inclinação da reta é m e a meia-vida é h, a idade t (em anos) é dada pela equação
 
t = h x ln(m+1)/ln(2)
 
Para um sistema com uma meia vida muito longa, como o rubídio-estrôncio, o valor numérico real da inclinação será sempre muito pequeno. Para dar um exemplo para a equação acima, se a inclinação da reta em uma plotagem similar à da Fig. 4 for m = 0,05110 (as razões de isótopos de estrôncio são geralmente medidas com muita precisão - para cerca de uma parte em dez mil), podemos substituir na meia-vida (48,8 bilhões de anos) e resolver da seguinte forma:
 
t = (48,8) x ln (1,05110) / ln (2)
 
Então t = 3,51 bilhões de anos.
 
Várias coisas podem, em raras ocasiões, causar problemas para o método de datação de rubídio-estrôncio. Uma possível fonte de problemas é se uma rocha contém alguns minerais que são mais antigos que a maior parte da rocha. Isto pode acontecer quando o magma no interior da Terra recolhe minerais não fundidos da rocha circundante à medida que o magma se move através de uma câmara de magma. Normalmente, um bom geólogo pode distinguir esses "xenólitos" dos minerais mais jovens em torno deles. Se acontecer de ele usá-los para datar a rocha, os pontos representados por esses minerais ficarão fora da linha feita pelo resto dos pontos. Outra dificuldade pode surgir se uma rocha sofreu metamorfismo, isto é, se a rocha ficou muito quente, mas não quente o suficiente para derreter completamente a rocha. Nestes casos, as datas parecem confusas e não estão ao longo de uma linha. Alguns dos minerais podem ter derretido completamente, enquanto outros não derretiam, então alguns minerais tentam dar a idade ígnea enquanto outros minerais tentam dar a idade metamórfica. Nestes casos, não haverá uma linha reta e nenhuma data será determinada.

Em alguns casos muito raros, o método do rubídio-estrôncio tem dado linhas retas que dão idades erradas. Isso pode acontecer quando a rocha que está sendo datada foi formada a partir de magma que não estava bem misturado e que tinha dois lotes distintos de rubídio e estrôncio. Um lote de magma tinha composições de rubídio e estrôncio perto da extremidade superior de uma linha (como na Fig. 4), e um lote tinha composições perto da extremidade inferior da linha. Neste caso, todos os minerais receberam uma mistura desses dois lotes e sua composição resultante acabou próxima a uma linha entre os dois lotes. Isso é chamado de linha de mistura de dois componentes. É uma ocorrência muito rara nestes mecanismos de datação, mas pelo menos trinta casos foram documentados entre as dezenas de milhares de datas de rubídio-estrôncio feitas. E se uma mistura de dois componentes é suspeita, um segundo método de datação deve ser usado para confirmar ou refutar a data de rubídio-estrôncio. O acordo de vários métodos de datação é a melhor maneira de fazer a datação de rochas a prova de falhas.

Os métodos Samário-Neodímio, Lutécio-Háfnio e Rênio-Ósmio. Todos esses métodos funcionam de maneira muito semelhante ao método do rubídio-estrôncio. Todos eles usam diagramas de três isótopos semelhantes à Figura 4 para determinar a idade. O método do samário-neodímio é o mais frequentemente usado desses três. Ele usa o decaimento do samário-147 para o neodímio-143, que tem uma meia-vida de 105 bilhões de anos. A proporção do isótopo filho, neodímio-143, para outro isótopo de neodímio, neodímio-144, é representada graficamente em relação à razão do progenitor, samário-147, para neodímio-144. Se diferentes minerais da mesma rocha traçarem ao longo de uma linha, a inclinação é determinada e a idade é dada pela mesma equação acima. O método de samário-neodímio pode ser preferido para rochas que têm muito pouco potássio e rubídio, para os quais os métodos de potássio-argônio, argônio-argônio e rubídio-estrôncio podem ser difíceis. O método do samário-neodímio também mostrou ser mais resistente a perturbações ou reajustes por eventos de aquecimento metamórfico, portanto, para algumas rochas metamorfoseadas, o método de samário-neodímio é o preferido. Para uma rocha da mesma idade, a inclinação nos plots de neodímio-samário será menor do que em um plot de rubídio-estrôncio, porque a meia-vida é mais longa. No entanto, essas razões de isótopo são geralmente medidas com extrema precisão - várias partes em dez mil - para que datas precisas possam ser obtidas mesmo para idades inferiores a um quinquagésimo de meia-vida e com declives correspondentemente pequenos.

O método lutécio-háfnio usa a meia-vida de 38 bilhões de anos do lutécio-176 decaindo para o háfnio-176. Esse sistema de datação é similar em muitos aspectos ao neodímio de samário, pois os elementos tendem a se concentrar nos mesmos tipos de minerais. Uma vez que a datação com samário-neodímio é um pouco mais fácil, o método lutécio-háfnio é usado com menos frequência.

O método rênio-ósmio aproveita o fato de que a concentração de ósmio na maioria das rochas e minerais é muito baixa, portanto, uma pequena quantidade de rênio-187 parental pode produzir uma mudança significativa na relação isotópica do ósmio. A meia-vida desse decaimento radioativo é de 42 bilhões de anos. Os isótopos estáveis não radiogênicos, osmium-186 ou -188, são usados como denominador nas razões nas parcelas de três isótopos. Este método tem sido útil para datação de meteoritos de ferro e agora está desfrutando de maior uso para datação de rochas terrestres devido ao desenvolvimento de técnicas de medição de isótopos de rênio e ósmio mais fáceis. 

Urânio-chumbo e técnicas relacionadas. O método de urânio-chumbo é o método de datação mais usado. Foi usado pela primeira vez em 1907, cerca de um século atrás. O sistema de chumbo-urânio é mais complicado do que outros sistemas parental-filho; Na verdade, são vários métodos de datação juntos. O urânio natural consiste principalmente de dois isótopos, U-235 e U-238, e esses isótopos decaem com diferentes meias-vidas para produzir chumbo-207 e chumbo-206, respectivamente. Além disso, o chumbo-208 é produzido pelo tório-232. Apenas um isótopo de chumbo, o chumbo-204, não é radiogênico. O sistema de urânio-chumbo tem uma complicação interessante: nenhum dos isótopos de chumbo é produzido diretamente do urânio e do tório. Cada um deles decai através de uma série de elementos radioativos de vida relativamente curta, cada um decaindo para um elemento mais leve, terminando finalmente no chumbo. Como essas meias-vidas são tão curtas em comparação com o U-238, o U-235 e o tório-232, elas geralmente não afetam o esquema geral de datação. O resultado é que é possível obter três estimativas independentes da idade de uma rocha medindo os isótopos de chumbo e seus isótopos de origem. A datação de longo prazo baseada no U-238, U-235 e tório-232 será discutida brevemente aqui; A datação baseada em alguns dos isótopos intermediários de vida mais curta é discutida mais adiante.

O sistema de chumbo-urânio, em suas formas mais simples, usando U-238, U-235 e tório-232, provou ser menos confiável do que muitos dos outros sistemas de datação. Isso ocorre porque tanto o urânio quanto o chumbo são menos facilmente retidos em muitos dos minerais em que são encontrados. No entanto, o fato de existirem três sistemas de datação, tudo em um, permite aos cientistas determinar facilmente se o sistema foi perturbado ou não. Usando matemática um pouco mais complicada, combinações diferentes dos isótopos de chumbo e isótopos de origem podem ser plotados de modo a minimizar os efeitos da perda de chumbo. Uma dessas técnicas é chamada de técnica chumbo-chumbo porque determina as idades dos isótopos de chumbo, apenas. Algumas dessas técnicas permitem aos cientistas mapear em que pontos do tempo ocorreram eventos de aquecimento metamórfico, o que também é de interesse significativo para os geólogos.


 

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