terça-feira, 28 de julho de 2020

Sobre o frio do leitãozinho - Os poderes da Edição Gênica



Você pode acreditar ou não, mas o primata que segura o leitãozinho na imagem acima sou eu, com meus 15 ou 16 anos, quando era aluno do curso Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio, no IFCE, Campus Iguatu, Ceará. Ali vivi uns bons três anos e meio da minha vida. Fiz muitos amigos. Aliás, saudades. Mas não é por motivo de comoção que escrevo agora. 

Essa foto foi "ressuscitada" ontem em outro grupo de WhatsApp que nada tem a ver com o IF (mas com pessoas que amo igualmente). Não imaginei que a fosse usar em outro lugar, a não ser nas redes sociais, onde aproveitei pra ressaltar a minha degradação ao longo dos anos. Hoje, no entanto, lia Hacking the Code of Life e acabei tropeçando em uma informação curiosa que casa bem com a foto. Resolvi escrever. 

A maioria dos mamíferos placentários produz, especialmente no tecido adiposo marrom, uma proteína chamada Proteína Desacopladora 1 ou UCP1 (do inglês Uncoupling Protein 1) que exerce a função de "vazar" prótons através da membrana mais interna das mitocôndrias e, no processo, contribui para a dissipação de energia sob a forma de calor. 

Há cerca de 20 milhões de anos, os suídeos ancestrais viviam em ambientes tropicais ou sub-tropicais. Assim, caso a UCP1 viesse a ter sua função comprometida, isso não afetaria muito a sobrevivência desses organismos, uma vez que nesses ambientes relativamente quentes há pouca necessidade, digamos assim, de um sistema de aquecimento extra. De fato, cientistas estima que por volta desse momento no tempo, um gene UCP1  "corrompido" tomou o lugar da versão normal, funcional. É por isso que os suídeos são atualmente incapazes de produzir a proteína UCP1 funcional. 

Como resultado desse evento evolutivo, nossos porcos domésticos, que hoje habitam diversas áreas do globo, inclusive regiões frias, têm algum problema para lidar com as baixas temperaturas. Aliás, onde o frio é um fator considerável, até 20% dos neonatos podem ter suas vidinhas ceifadas, o que é um belo de um prejuízo para os suinocultores. Para evitar tais baixas, gastam uma grana para manter o maior controle possível da temperatura nas baias onde vivem os leitõezinhos. Leitõezinhos. Sim, essa é a palavra que provavelmente usaria Paulino, meu professor de Suinocultura durante o longínquo ano de 2011. 

Graças às poderosas técnicas de edição gênica (gene editing), pesquisadores foram capazes de inserir uma versão funcional do gene UCP1 em leitões e demonstrar que estes tinham a sua capacidade termogênica melhorada e, como benefício adicional, também exibiam um decréscimo na deposição de gordura, algo desejável para suínos de corte.  

É isso. Post curtinho. Me lembram até as notas de aulas do professor Paulino, exceto que ele as trazia escritas no papel. Aliás, o que ele acharia desse texto? 

Referências

CAREY, Nessa. Hacking the Code of Life: How gene editing will rewrite our futures. Icon Books, 2019.

ZHENG, Qiantao et al. Reconstitution of UCP1 using CRISPR/Cas9 in the white adipose tissue of pigs decreases fat deposition and improves thermogenic capacity. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 114, n. 45, p. E9474-E9482, 2017.

HOU, Lianjie et al. Pig has no uncoupling protein 1. Biochemical and biophysical research communications, v. 487, n. 4, p. 795-800, 2017.

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