quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Brasil tem Prêmio Nobel? O caso de Peter Medawar

Peter B. Medawar em sua residência, Hampstead, Londres, 22 de abril de 1977. Disponível aqui.

Filho de um pai libanês e uma mãe britânica, Peter Brian Medawar nasceu às 17h:30 do dia 28 de fevereiro de 1915, em Petrópolis, Rio de Janeiro, Brasil. Com seu nascimento registrado no Consulado Britânico, Peter Medawar adquiriu seu status de cidadão britânico. Pela lei brasileira, Peter também teve a sua nacionalidade brasileira reconhecida.  

Aos 13 anos, Peter foi para Inglaterra cursar os estudos secundários no Marlborough College. Em 1932 ingressou no Magdglen College, Oxford, para estudar zoologia sob tutela do professor J. Z. Young. Uma vez concluído o seu bacharelado em Oxford em 1935, Peter trabalhou por um tempo na School of Pathology (Escola de Patologia de Oxford), sob supervisão de Howard Florey (que viria a ser laureado com o Nobel de Fisiologia e Medicina em 1945). E foi ali onde parece ter aflorado o seu interesse pela intersecção entre biologia e medicina. Aos 24 anos, Peter surpreendeu ao obter o primeiro lugar em concurso para a cadeira de microbiologia em Oxford.

Em homenagem prestada a Peter Medawar em 2015, no centenário de seu nascimento, a Sociedade Brasileira de Nefrologia sumarizou bem o desenrolar de sua carreira:


As pesquisas iniciais de Medawar foram dedicadas à cultura de células e à regeneração de nervos periféricos. Foi pioneiro no emprego de modelagem matemática em culturas de tecidos, aplicando-a na análise do crescimento, morfologia e desenvolvimento celular. Durante a Segunda Guerra, prestou serviços na Unidade de Queimados da Glasgow Royal Infirmary. Os intensos bombardeios na Inglaterra causaram muitas vítimas com queimaduras extensas e a rejeição dos enxertos de pele era um dos maiores problemas hospitalares. 

O conhecimento médico da época entendia que a prevenção da rejeição de pele era uma questão de habilidade cirúrgica. Estudando pacientes enxertados, Medawar demonstrou que a rejeição era um problema fundamentalmente biológico. Observando o intervalo para a rejeição e verificando a invasão do enxerto por linfócitos, desenvolveu a teoria da imunidade dos transplantes. Foi pioneiro nos mecanismos de tolerância imunológica adquirida e na imunomodulação com corticoides, que produziu o primeiro impacto positivo no aumento da sobrevida dos transplantes renais. 

Em 1960, como reconhecimento pela excepcional contribuição científica, Peter Medawar recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina, juntamente com o australiano Frank Burnet, pelo estabelecimento das bases da tolerância imunológica para a criação do soro antilinfocitário, que modificou definitivamente a história da rejeição pós-transplante de órgãos. Em 1962, foi nomeado chefe do maior laboratório de investigação médica do Reino Unido, o National Institute for Medical Research, e em 1965 recebeu o título de Sir, concedido pela Rainha Elizabeth II. Foi também fundador e primeiro presidente da Sociedade Internacional de Transplantes.

 

Portanto, o Brasil tem pelo menos um Nobelista nascido no País. Contudo, formalmente, quando Peter Medawar foi laureado ele já não era mais portador da nacionalidade brasileira. O que aconteceu foi o seguinte. Quando da sua maioridade, Peter morava fora do país e recebia uma bolsa de estudos do Governo Britânico. No intuito de obter isenção do serviço militar obrigatório brasileiro, buscou apoio em seu padrinho, Salgado Filho, então Ministro da Aeronáuitca. Entretanto, o então Ministro da Guerra Eurico Gaspar Dutra (mais tarde Presidente do Brasil) recusou o pedido, argumentando que, sem serviço militar prestado, não havia como manter a nacionalidade. E assim Peter Medawar “deixou de ser” brasileiro. 

Peter Medawar, recém laureado, retornou ao Rio de Janeiro em 1961, recebendo da Universidade do Brasil (atualmente UFRJ) o título de Doutor Honoris Causa. Segundo o próprio cientista, o retorno depois de tantos anos foi motivo de forte emoção. Como curiosidade, um primo de Medawar relatou à Folha de São Paulo (numa entrevista de 1996) que nessa passagem pelo Brasil, Peter teria se encontrado com Jânio Quadros. Em 1969, durante o encontro anual da Associação Britânica, Medawar foi acometido por um acidente vascular cerebral. E assim sua carreira como pesquisador foi sendo interrompida. 

Brilhante cientista, Medawar também foi reconhecido como excelente autor. Richard Dawkins, famoso biólogo de Oxford, não poupa elogios a Medawar. Certa vez Dawkins afirmou que Peter foi o “mais sagaz de todos os escritores científicos”. Alguns de seus livros são: The Uniqueness of the Individual (1957), The Future of Man (1960), The Art of the Soluble (1967), Advice to a Young Scientist (1979), Pluto's Republic (1982), The Limits of Science (1984). Esse último foi publicado no Brasil sob o título “Os Limites da Ciência” (Editora UNESP, 2008). Peter Brian Medawar faleceu em 02 de outubro de 1987. 


Saiba mais:

Homenagem da Sociedade Brasileira de Nefrologia:

YOUNES-IBRAHIM, Maurício. Homenagem da Nefrologia Brasileira a Peter Brian Medawar. Brazilian Journal of Nephrology, v. 37, n. 1, p. 07-08, 2015. Doi: https://doi.org/10.5935/0101-2800.20150001 

 

Página oficial sobre o Nobel de Peter Medawar em 1960:

https://www.nobelprize.org/prizes/medicine/1960/medawar/biographical/

 

Entrevista do primo de Medawar à Folha em 1996:

https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1996/10/06/mais!/24.html

 

A página na Wiki (em inglês) também conta com bastante informação (referenciada) sobre Peter Medawar:

Wikipedia contributors. (2020, June 26). Peter Medawar. In Wikipedia, The Free Encyclopedia. Retrieved 16:07, August 5, 2020, from https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Peter_Medawar&oldid=964674973


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