Purinas são bases nitrogenadas
que participam de uma série processos e compõem moléculas nas células. Duas purinas,
adenina e guanina, são componentes do DNA e do RNA. Além disso, purinas fazem
partes de importantes moléculas do metabolismo, como ATP, GTP, cAMP e coenzima
A. Adicionalmente, a adenosina pode agir com um neurotransmissor [1].
Nos grandes símios (humanos,
chimpanzés, orangotangos e gorilas), o produto final da degradação das purinas é ácido úrico, que forma íons e sais conhecidos como uratos; ambas as formas são excretadas na urina [2] [3].
Concentrações elevadas de uratos no soro induzem gota, uma condição patológica
na qual sais de urato se cristalizam e depositam-se nas juntas e nos rins,
causando danos [3].
Em média, as concentrações
séricas de urato nos humanos chegam perto do limite de solubilidade,
contrastando dramaticamente com a condição
observada em outros primatas, como lêmures, nos quais as concentrações
de urato são dez vezes menores [3].
O que explica esse acúmulo
de ácido úrico nos grandes primatas?
Na maioria dos mamíferos,
uma enzima chamada Urato Oxidase, codificada pelo gene UOX, é a primeira de uma
série de outras enzimas envolvidas no metabolismo das purinas [4], que degradam o
ácido úrico, reduzindo, assim, os seus níveis séricos.
Nós humanos possuímos uma
versão mutante do gene UOX, um pseudogene no qual uma simples mudança de C para
T, em uma posição específica da sequência do éxon 2, transformou o códon CGA (o qual codifica o
aminoácido arginina) no códon TGA, que indica o fim prematuro da tradução da
proteína Urato Oxidase, a enzima que de grada ácido úrico [4]. O produto prematuro
do pseudogene UOX, não consegue realizar a função da Urato Oxidase e, como consequência,
os níveis de ácido úrico permanecem elevados.
O mais interessante de tudo
é que todos os grandes símios compartilham essa mesma mutação conosco, na mesma
posição específica, indicando que essa mutação é o legado histórico de um
ancestral comum a humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos.
Figura 2. Pseudogene UOX, alinhamento de sequências de diferentes organismos. O códon de parada prematuro está destacado em cinza. Imagem disponível em [4] |
Devo mencionar que os gibões
também apresentam algo similar ao que aconteceu nos grandes primatas. Dentre as
mutações que ocorreram no pseudogene UOX dos gibões, está uma mutação também no
éxon 2, comum as seis espécies de gibão examinadas no estudo que reportou tais
resultados [5], mas diferente daquela que
ocorreu na linhagem dos grandes primatas. Embora a mutação também tenha convertido
um códon CGA em TGA, a mutação é diferente porque ela ocorreu em uma posição
diferente da sequência. Por ser exclusiva daqueles gibões, ela indica que eles
são todos derivados de um mesmo ancestral comum.
Referências
1 - Wikipedia contributors. (2019, December 14). Purine. In Wikipedia, The Free Encyclopedia. Retrieved 22:03, December 15, 2019, from https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Purine&oldid=930664759
2 - MAIUOLO, Jessica et al. Regulation of uric acid metabolism and excretion. International journal of cardiology, v. 213, p. 8-14, 2016.
3 - Berg JM, Tymoczko JL, Stryer L. Biochemistry. 5th edition. New York: W H Freeman; 2002. Section 25.6, Disruptions in Nucleotide Metabolism Can Cause Pathological Conditions. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK22372/
4 - FINLAY, Graeme. Human Evolution: Genes, Genealogies and Phylogenies. Cambridge University Press, 2013.
5 - Masako Oda, Yoko Satta,
Osamu Takenaka, Naoyuki Takahata, Loss of Urate Oxidase Activity in Hominoids
and its Evolutionary Implications, Molecular Biology and Evolution, Volume 19, Issue
5, May 2002, Pages 640–653, https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.molbev.a004123
Ótima explicação. O mesmo aconteceu com uma das enzimas na cadeia de enzimas que formam a vitamina C. Nos macacos do velho mundo existem algumas mutações neste gene, e por isso não produzimos vitamina C. Como nos alimentamos de frutos, que nos fornecem a dose diária desta vitamina, a, não houve pressão seletiva e as mutações persistiram.
ResponderExcluirHahaha, tem certeza que vc não lê pensamentos? Esse é o assunto do próximo post sobre pseudogenes.
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