Muito se fala nos pseudogenes nos debates Evolução x Criação/DI, mas o fato é que muitas vezes os envolvidos têm um entendimento muito superficial a respeito deles. O objetivo deste post (e do próximo) é esclarecer alguns aspectos. Espero que ao fim ninguém saia daqui dizendo que pseudogenes não existem.
Definição
Uma definição de pseudo gene é a seguinte (Tutar, Y., 2012):
"Pseudogenes são cópias de genes que possuem deficiências na codificação devido a frameshifts e códons de parada prematuros, mas que lembram genes funcionais."
Muitos focam na palavra "funcionais", mas talvez essa não seja a melhor coisa a se fazer. Vamos chegar na questão da "funcionalidade", mas antes é importante compreender o que frameshifts e códons de parada prematuros significam.
Códon de Parada Prematuro
É fácil compreender por meio de um exemplo hipotético, como mostrado na figura 1.
Figura 1. Exemplo de Códon de Parada Prematuro. (a) DNA é transcrito em mRNA que é, então, traduzido em uma sequência de aminoácidos que compõem uma proteína funcional. Note o códon CGA, que é traduzido em Arg (arginina) de acordo com o código genético padrão. (b) Uma mutação converteu o códon CGA em UGA, que indica o término da tradução precocemente. A proteína resultante, que antes possuía 7 aminoácidos, agora só possui 3, tornando muito improvável que ele continue desempenhando a sua função. Imagem composta a partir das originais disponíveis aqui.
Frameshifts
Frameshift é um tipo de mutação que geralmente resulta na produção de um proteína incapaz de exercer sua função. Mais especificamente, um frameshift é a inserção ou deleção de um número de nucleotídeos que não é múltiplo de 3. A figura 2 é um exemplo hipotético.
Figura 2. Frameshift. A inserção que resulta em um frameshift muda consideravelmente a sequência de aminoácidos que formarão a proteína, e por isso é improvável que o produto proteico seja capaz de realizar a função normal. Observe que a inserção de nucleotídeos em número múltiplo de 3 não altera drasticamente o produto final, e não é considerada um frameshift. Imagem original disponível aqui.
Espero que tenha ficado mais claro a razão da incapacidade dos pseudogenes, quando formados, na realização das suas funções. A estrutura foi corrompida, por isso o pseudogene raramente pode realizar a função que o gene parental (aquele que deu origem ao pseudogene) realiza. Mas podemos ir além. Não existe somente um tipo de pseudogene. A seguir, vamos conhecer os tipos de pseudogenes, como são formados, e alguns exemplos.
Tipos de Pseudogenes
Pseudogenes Processados
Os pseudogenes processados se formam quando mRNA maduro, isto é, que foi processado após a transcrição, é usado para polimerizar DNA complementar de fita dupla, cDNA, que é por fim integrado no genoma. O processo é descrito de maneira geral na figura 3.
Figura 3. Formação de um pseudogene processado a partir de um gene eucariótico que codifica para uma proteína. Uma RNA polimerase II (enzima que polimeriza RNA) vai se ligar ao promotor e transcrever o gene. Os íntrons são removidos, uma cap 5' e uma cauda poli-A 3' são adicionados, o que culmina na formação de um mRNA maduro. Agora um evento raro acontece: uma enzima chamada transcriptase revesa irá polimerizar cDNA a partir do mRNA. DNA será sintetizado, formando um DNA de fita dupla que, então, será inserido no genoma em alguma posição onde se encontra uma sequência alvo. Um pseudogene processado é o resultado. Imagem originalmente publicada aqui.
Quatro são as características mais comuns em pseudogenes processados (Tutar, Y., 2012):
1. Ausência de íntrons;
2. Ausência de promotor 5';
3. Repetições diretas flanqueando o pseudogene, resultantes da duplicação da sequência alvo; e
4. Marca de poliadenilação 3', que é gerada a partir da cauda poli-A.
Com exceção de pseudogenes formados a partir de genes de classe III (os quais possuem promotores internos, isto é, o promotor acaba sendo transcrito), os pseudogenes processados são mortos no momento da formação, pois sequer podem ser transcritos. Com o tempo, mutações vão sendo acumuladas, destruindo mais ainda o pseudogene. Raramente, um pseudogene processado pode voltar a ser funcional, seja para desempenhar a mesma função ou outra, mas nada altera o fato de que ele guarda as marcas indeléveis, como diria Darwin, da sua formação. Não deixa de ser um pseudogene.
Um exemplo de pseudogene processado é o Ubbp4, encontrado no genoma do Rattus norvegicus.
Pseudogenes Duplicados
Como já discutimos em A Origem de Novos Genes - Duplicação, pseudogenes podem se originar de genes que foram duplicados. Os pseudogenes duplicados surgem quando ocorre crossing over desigual entre cromossomos homólogos e posterior acúmulo de mutações que corrompem uma das cópias, enquanto a outra se mantém ativa e bem funcional.
"Apesar de ter um promotor original ou outras regiões reguladoras, as sequências de íntros e éxons intactas, a recombinação errônea e as subsequentes mutações (códons de para mal localizados, inserções, deleções) encaminham [os pseudogenes] para o caminho da não-funcionalidade. Os pseudogenes duplicados são frequentemente são encontrados em grupos de sequências funcionais análogas no mesmo cromossomo ou adjacentes aos seus genes funcionais parálogos e até podem ser inseridos em um cromossomo diferente."
(Sen & Gosh, 2013)
Um exemplo clássico desse tipo é o pseudogene humano alfa-globina 1 (psi alfa 1).
"A comparação desta sequência com um gene de alfa-globina humano normal (alfa 2) revela que psi alfa 1 contém tanto uma mutação no códon iniciador e deleções frameshift que evitariam a produção de um polipeptídeo de alfa-globina. psi alfa 1 contém duas sequências intervenientes com tamanhos e locais característicos dos genes de alfa-globina de mamífero. No entanto, a alteração ou ausência de sequências de splicing putativo sugere que um transcrito primário de psi alfa 1 não seria processado para produzir um mRNA maduro. A relação de psi alfa 1 com os genes de alfa-globina duplicados adjacentes alfa 1 e alfa 2 foi investigada no nível da sequência de nucleotídeos. psi alfa 1, alfa 2 e alfa 1 possuem a sequência GCCTGTGTGTGCCTG diretamente após os respectivos locais de adição da poli (A). A análise de sequência das regiões flanqueadoras 3' de alfa 2 e alfa 1 revela ainda que as unidades de duplicação de genes de alfa-globina são exatamente limitadas por esta sequência homóloga."
(Proudfoot & Maniatis, 1980)
Pseudogenes Unitários
São órfãos, por assim dizer. Enquanto que para os outros tipos de pseudogenes até agora apresentados nós conseguimos encontrar homólogos funcionais no genoma do organismo, o mesmo não pode ser feito com os pseudogenes unitários. E é por isso que são chamados unitários. Assim como os pseudogenes duplicados, eles mantém a estrutura básica de um gene, possuindo íntrons e éxons.
Um exemplo clássico desse tipo de pseudogene é o GULOP. Este pseudogene é não-funcional em humanos e outros primatas. O gene funcional correspondentes em mamíferos codifica uma enzima chamada de L-gulonolactona oxidase, que é responsável por catalisar o passo final na síntese de ácido ascórbico (vitamina C). O GULOP, em comparação com sua contraparte funcional, carece de 5 dos 12 éxons.
Pseudogenes Polimórficos
Esta é na verdade uma sub-categoria. Pseudogenes polimórficos podem ser visto como exemplos de pseudogenes que estão "roubando o lugar" da sua contraparte funcional. Como ressalta Larry Moran em seu (ótimo) blog Sandwalk:
"Os casos mais interessantes são genes funcionais de cópia única em um locus específico que estão segregando com versões inativas do gene no mesmo locus. Estes são pseudogenes que podem estar a caminho de se tornarem pseudogenes unitários. É claro que, em todos os casos de pseudogenes polimórficos, há sempre a possibilidade de que o alelo pseudogene seja perdido por derivação genética aleatória em vez de ser fixado."
Um exemplo muito interessante é o que está envolvido na determinação de um tipo sanguíneo humano. Há um gene em humanos que codifica N-acetilaminogalactosil-transferase. A versão dita normal deste gene codifica uma N-acetilaminogalactosil-transferase que liga o açúcar GalNAc à proteínas de superfície do eritrócito (hemácia). GalNac ligada à proteína de superfície é batizado de antígeno A, e por isso as pessoas com essa configuração são ditas de sangue tipo-A. Um outro alelo, com tipo de mutação, codifica uma enzima que agora passa a ligar galactose ao invés de GalNac. Essa situação caracteriza o sangue tipo B. Por fim, existe ainda um terceiro alelo. E neste caso trata-se de um pseudogene, que é não-funcional. Assim, nenhum açúcar se liga aos receptores de superfície. E isso caracteriza o sangue tipo-O.
Conclusão
Espero ter ficado claro que a identificação de um pseudogene não é apenas identificar se há ou não função. Embora a maioria seja não-funcional, existem exemplos de pseudogenes funcionais na literatura. Mas isso nada muda o fato de que são pseudogenes. Sabemos como pseudogenes são formados. Em outras palavras, é a formação, e não a função (ou ausência dela) que define um pseudogene.
Referências de Periódicos
Proudfoot NJ, Maniatis T. The structure of a human alpha-globin pseudogene and its relationship to alpha-globin gene duplication. Cell. 1980 Sep;21(2):537–544 [PubMed]
Sen, Kamalika & Ghosh, Tapash. (2013). Pseudogenes and their composers: Delving in the 'debris' of human genome. Briefings in functional genomics. 12. . 10.1093/bfgp/elt026.
Tutar Y. Pseudogenes. Comparative and Functional Genomics. 2012;2012:424526. doi:10.1155/2012/424526.
Outras fontes:
Sobre os tipos de pseudogenes: http://sandwalk.blogspot.com.br/2015/11/different-kinds-of-pseudogenes-are-they.html
Informações sobre o GULOP: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/gene/2989
Informações sobre o Ubbp4: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/gene/498837
Códon de parada prematuro: https://en.wikipedia.org/wiki/Nonsense_mutation
Frameshifts: https://en.wikipedia.org/wiki/Frameshift_mutation
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