leia a parte I
SINEs - Elementos Alu: estrutura, origem e mecanismo de transposição
Os elementos Alu são os SINEs mais abundantes do genoma humano, excedendo 1 milhão de cópias. São primato-específicos e são não-autônomos (isto é, não são capazes de realizar a própria transposição) (Deininger, 2011). A estrutura geral de um Alu é exemplificada na figura 1 (Deininger, 2011, fig 1a).
Figura 1. A estrutura de um elemento Alu. (a) A parte superior mostra um elemento genômico Alu entre duas repetições diretas formadas no sítio de inserção (setas vermelhas). O Alu termina com uma longa cauda poli-A, e também tem uma região menor rica em A [adenilato] (indicada por AA) separando as duas metades de uma estrutura dímero divergente. Elementos Alu têm os componentes internos de um promotor de RNA polimerase III (boxes A e B), mas não codificam um terminador para a RNA polimerase III. Eles utilizam qualquer trecho de nucleotídeos T [timina] para encerrar a transcrição. Na porção inferior da imagem, um típico transcrito de um elemento Alu.
SINEs se originam de pequenos RNAs apresentando promotores internos para a RNA polimerase III (Kriegs et al., 2007). Até onde sabemos, os elementos Alu são "derivados do 7SL RNA (ou DNA) por uma deleção da sequencia 7SL-específica central" (Ullu & Tschudi, 1984, p. 171).
A transposição de um Alu começa quando ele é transcrito em mRNA pela ação da RNA polimerase. Em seguida, a transcriptase reversa polimeriza DNA de fita dupla, que será posteriormente inserida em uma nova localização no genoma (Pray, LA., 2008). Como SINEs são não-autônomos, eles dependem daqueles que são autônomos, isto é, capazes de induzir a própria transposição (como os LINEs). Para uma animação de como os elementos Alu são transpostos, clique aqui.
Utilidade na Reconstrução de Filogenias
Os elementos Alu contam com algumas propriedades que os fazem muito úteis na reconstrução de filogenias (Pray, LA., 2008), como por exemplo:
- Que dois Alu diferentes se insiram independente mesmo no mesmo locus é extremamente improvável;
- Uma vez inserido em locus, um Alu raramente é removido dele;
- A presença de repetições diretas evidencia que houve de fato uma inserção ( Roy-Engel et al., 2002, fig. 1).
Levando-se estes fatos em consideração, se um dado número de organismos possuem a mesma sequência Alu exatamente no mesmo lugar no genoma, então é mais provável que eles descendam de um mesmo ancestral. A hipótese rival, segundo a qual estas sequências foram inseridas no mesmo loci independentemente é muito menos parcimoniosa e muito mais improvável.
O problema da tricotomia - humanos, chimpanzés e gorilas.
Desde que Thomas H. Huxley identificou corretamente o chimpanzé e o gorila como os dois parentes mais próximos do ser humano, o problema da relação entre as três espécies ("o problema da tricotomia") permaneceu sem solução. A morfologia comparativa e outros métodos clássicos de investigação biológica não conseguiram responder definitivamente se o chimpanzé ou o gorila é o parente mais próximo da espécie humana. As sequências de DNA, tanto mitocondriais quanto nucleares, também forneceram soluções equívocas, dependendo da região do genoma analisada.
Resolvendo a tricotomia
A família dos elementos Alu é dividida em subfamílias. Salem et al. (2003) identificaram e caracterizam 153 membros da subfamília Alu Ye5 a partir da sequência do genoma humano. Sabendo qual Alu Ye5 e onde se encontrava no genoma humano, eles buscaram pelos mesmos Alu Ye5 nos mesmo em loci em Pan troglodytes (chimpanzé comum), Pan paniscus (bonobo), Gorilla gorilla (gorila), Pongo pygmaeus (orangotango), Chlorocebus aethiops sabaeus (macaco verde), Aotus trivirgatus (macaco-da-noite) e Hylobates syndactylus (siamang).
Primeiro eles identificaram os loci ortólogos por meio de buscas em bases de dados. Feito isso, o próximo passo foi identificar se nos outros primatas havia a mesma inserção Alu Ye5 encontrada no humano. E fizeram isso loci por loci. Como? Vou explicar de maneira bem geral e simplificada.
Prepara-se um gel específico que possui canaletas (1/espécie). Cada canaleta vai receber o material genético de uma, e somente uma, espécie. Detalhe: o material genético de todas as espécies correspondem aos mesmos loci. Agora, submete-se esse gel a passagem de uma corrente elétrica. O material genético vai se deslocar pelo gel, em direção a um dos polos. Aquelas amostras de material onde havia um inserção no locus ficarão mais para cima, pois são mais pesadas e assim "correm" menos no gel. Por outro lado, aquelas amostras onde não havia inserção "correrão" mais no gel, e assim ficarão mais abaixo no gel. Estou falando "acima" e "abaixo" devido o gel ser colocado em posição vertical e o movimento das amostras ocorrer de cima para baixo (devido à corrente elétrica).
Figura 2. Análise dos géis. |
Vejamos quais informações podemos extrair de E. Primeiro, devo ressaltar a presença de um marcador de 100 pares de base (100 bp marker). Ele server para compararmos o peso molecular das amostras. Por exemplo, em E as duas amostras mais a direita estão sobre a mesma reta imaginária horizontal, significando que elas tem o mesmo peso molecular; as outras amostras mais a esquerda estão todas sobre uma mesma reta horizontal diferente, e por isso todas tem o mesmo peso molecular, que é diferente das amostras mais a direita. Como as amostras mais a direita estão mais acima do que aquelas duas mais a esquerda, concluímos que são mais pesadas (461 bp contra 126 bp) e, portanto, possuem uma inserção naquele locus ortólogo (no caso a inserção do elemento Alu Ye5AH148). O padrão observado no gel sugere que, com exceção das duas espécies mais a direita, todas as outras possuem a inserção do Ye5AH148 no mesmo locus. Por fim, observe que em A, por exemplo, há alguns "vazios", isso pode indicar algum problema na preparação da amostra ou que não houve amplificação do material (esse procedimento envolve a amplificação de material para que se torne possível detectar os padrões em gel).
Agora podemos seguir a diante. Com base nesses géis, os pesquisadores criaram uma tabela ou matriz de distribuição dos elementos da subfamília Ye5. A figura 3 mostra um pouco dela (Salem et al., 2003, tabela suplementar 2).
A tabela usada pelos pesquisadores possuía 8 linhas (uma para cada espécie) e 153 colunas (uma para cada Ye5). "1" significa "presença de inserção"; "0" indica "ausência de inserção". Por exemplo, Homo sapiens possuem a inserção Ye5AH17 (primeira coluna) em um determinado locus, enquanto Aotus trivirgatus não conta com essa inserção no mesmo locus. "?" = amplificação não observada.
Talvez não lhe parece óbvio, mas é possível transformar uma matriz desse tipo em uma filogenia. Existem softwares específicos para isso. Usando um deles, Salem et al. (2003, fig 3) apresentara a seguinte filogenia:
Figura 3. Filogenia dos primatas com base na análise dos Alu Ye5. |
O resultado não poderia ser mais claro:
O nosso papo sobre ETs, humanos e outros primatas, se encerra por aqui. Pelo menos por enquanto. Para mais informações, consultar as referências.
Kriegs, J. O., Churakov, G., Jurka, J., Brosius, J. & Schmitz, J. Evolutionary history of 7SL RNA-derived SINEs in Supraprimates. Trends Genet. 23, 158–161 (2007).
Roy-Engel AM, Salem A-H, Oyeniran OO, et al. Active Alu Element “A-Tails”: Size Does Matter. Genome Research. 2002;12(9):1333-1344. doi:10.1101/gr.384802.
"Com a exceção de um nó, o valor bootstrap foi de 100%. O nó que agrupa a subtribo Hominina (Homo e Pan) foi apoiado com um valor de 99%. Os padrões observados indicam claramente um padrão de inserção passo a passo que reflete a divergência relativa de cada grupo na linhagem dos hominídeos. O macaco verde (Chlorocebus aethiops sabaeus) foi inequivocamente colocado externo a Hominidae (Hylobates, Pongo, Gorilla, Pan e Homo) por 16 loci. O monofiletismo de Hominini (Pongo, Gorilla, Pan e Homo) foi apoiado por 18 loci inequívocos, de 19. Trinta e três de 35 loci inequivocamente apoiaram o monofiletismo dos grandes símios (gorilas, chimpanzés e humanos)".
O valor bootstrap indica o quanto um determinado ramo é apoiado pelos dados. Quanto mais próximo de 100%, maior a confiança que temos de que aquele ramo reflete o padrão verdadeiro implícito nos dados. Monofiletismo de um grupo quer dizer que este é constituído pelo ancestral comum e todos os seus descendentes.
Eu realmente espero que eu tenha conseguido pelo menos delinear a imagem real por trás dessa fascinante evidência da ancestralidade comum e resolução da tricotomia Homo, Pan e Gorilla. O resultado obtido pela análise dos Alu é consistente com aquele obtido pela análise de genomas completos.
O nosso papo sobre ETs, humanos e outros primatas, se encerra por aqui. Pelo menos por enquanto. Para mais informações, consultar as referências.
Referências
Kriegs, J. O., Churakov, G., Jurka, J., Brosius, J. & Schmitz, J. Evolutionary history of 7SL RNA-derived SINEs in Supraprimates. Trends Genet. 23, 158–161 (2007).
Pray, L. (2008) Functions and utility of Alu jumping genes. Nature Education 1(1):93
Roy-Engel AM, Salem A-H, Oyeniran OO, et al. Active Alu Element “A-Tails”: Size Does Matter. Genome Research. 2002;12(9):1333-1344. doi:10.1101/gr.384802.
Salem A-H, Ray DA, Xing J, et al. Alu elements and hominid phylogenetics. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America. 2003;100(22):12787-12791. doi:10.1073/pnas.2133766100.
Satta, Y., Klein, J. & Takahata, N. DNA archives and our nearest relative: the trichotomy problem revisited. Mol. Phylog. Evol. 14, 259–275 (2000)
Ullu E, Tschudi C. Alu sequences are processed 7SL RNA genes. Nature. 1984;312:171–172. doi: 10.1038/312171a0.
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