Hoje nós vamos falar de ETs, humanos e outros primatas. Não, eu não
enlouqueci. Acontece que "ETs" tem pra mim outro significado. Nada
ligado a extraterrestres. Elementos Transponíveis, é disso que estou
falando. Também são conhecidos como transpósons. Mas afinal, o que são
ETs?
O que são e como são classificados
ETs são elementos
genéticos móveis, isto é, se movem de um posição para outra em um
genoma. Mais especificamente, são elementos que se movem por meio de
transposição. De maneira simplificada, "na transposição, uma enzima
específica, normalmente codificada pelo próprio transpóson e chamada de
transpoase, atua em uma sequência específica de DNA em cada extremidade
do transpóson causando sua inserção em um novo sítio-alvo de DNA"
(Alberts et al., 2017, p. 288).
ETs possuem certas estruturas e
mecanismos de replicação. Com base nisso, são geralmente classificados
em: transpósons exclusivamente de DNA, retrotranspósons semelhantes a
vírus e retrotranspósons não retrovirais. Veja a tabela abaixo (Alberts
et al., 2017, tabela 5-4).
Retrovírus, Retrotranspósons e Retrovírus Endógenos
Retrovírus
Você
já deve ter ouvido falar do vírus HIV. Pois bem, ele faz parte de um
grupo específico de vírus - os retrovírus. Quando no ambiente externo,
isto é, fora de um célula, um retrovírus não é muito mais que um fita
simples de RNA (o seu genoma) envolvido por um capsídeo proteico. Além
disso, no interior do capsídeo também é encontrada uma enzima importante,
chamada transcriptase reversa, que é codificada pelo próprio vírus.
Quando
um retrovírus infecta uma célula, a transcriptase reversa polimeriza
DNA de fita dupla usando o RNA viral como molde. Ou seja, essa enzima
passa o genoma viral para a forma de DNA, um processo conhecido como
transcrição reversa (veja a figura 1; Alberts et al., 2017, fig.
5-62). É reversa no sentido de que a transcrição "normal" se dá no
sentido DNA -> RNA, enquanto na transcrição reversa acontece RNA
-> DNA. É também por isso que esses vírus são chamados de
retrovírus. Por fim, a enzima integrase, também codificada pelo vírus,
reconhece sequências específicas no DNA recém-transcrito e insere o DNA
viral em um cromossomo da célula hospedeira.
Figura 1 |
Retrotranspósons Similares a Retrovírus (RSR)
Agora
eu preciso contar um segredo: os retrotranspósons semelhantes a
retrovírus foram chamados assim devido sua semelhança com... os
retrovírus! Essa semelhança se mostra a nível de estrutura e mecanismo
de transposição. Mas ao contrário dos retrovírus, "eles não possuem a
capacidade intrínseca de sair da célula em que residem, mas podem ser
transmitidos a todos os descendentes da célula pelos processos normais
de replicação do DNA e divisão celular" (Alberts et al., 2017, p. 291).
Entretanto, "como um retrovírus, a molécula de fita dupla de DNA linear é
integrada em sítio do cromossomo pela ação da enzima integrase, também
codificada pelo elemento" (Alberts et al., 2017, p. 291).
Retrovírus Endógenos
Imagine que um retrovírus infecta e se insere em algum lugar do genoma de um gameta ou de uma célula precursora de gameta. Isto significa que a prole resultante herdará um retrovírus na quele lugar particular do genoma (chamada tecnicamente de locus, cujo plural é loci). Não, não é um absurdo. De fato, "cerca de 8% do genoma [humano] é derivado de sequências similares a retrovírus infecciosos, que podem ser prontamente reconhecidos devido todos os retrovírus infecciosos conter pelos menos três genes, incluindo gag (codificando proteínas estruturais), pol (enzimas virais) e env (proteínas da superfície do envelope), bem como longas repetições terminais (LTRs)" (Griffiths, DJ., 2001, p. 1). Devido a sua semelhança com retrovírus e uma vez que fixados no genoma e transmitido aos descendentes, essas sequências são chamadas de Retrovírus Endógenos (ERVs, Endogenous Retroviruses). Aqueles encontrados no genoma humano são chamados de HERVs, ou Retrovírus Humanos Endógenos (Human Endogenous Retroviruses). Na figura 2 (Griffiths, DJ., 2001, fig. 1), vemos a estrutura de provírus retrovirais. (a) retrovírus infeccioso; (b) HERV.
Retrovírus Endógenos
Imagine que um retrovírus infecta e se insere em algum lugar do genoma de um gameta ou de uma célula precursora de gameta. Isto significa que a prole resultante herdará um retrovírus na quele lugar particular do genoma (chamada tecnicamente de locus, cujo plural é loci). Não, não é um absurdo. De fato, "cerca de 8% do genoma [humano] é derivado de sequências similares a retrovírus infecciosos, que podem ser prontamente reconhecidos devido todos os retrovírus infecciosos conter pelos menos três genes, incluindo gag (codificando proteínas estruturais), pol (enzimas virais) e env (proteínas da superfície do envelope), bem como longas repetições terminais (LTRs)" (Griffiths, DJ., 2001, p. 1). Devido a sua semelhança com retrovírus e uma vez que fixados no genoma e transmitido aos descendentes, essas sequências são chamadas de Retrovírus Endógenos (ERVs, Endogenous Retroviruses). Aqueles encontrados no genoma humano são chamados de HERVs, ou Retrovírus Humanos Endógenos (Human Endogenous Retroviruses). Na figura 2 (Griffiths, DJ., 2001, fig. 1), vemos a estrutura de provírus retrovirais. (a) retrovírus infeccioso; (b) HERV.
figura 2 |
Um ponto interessante, ressaltado por Grifftiths (2001, p. 1):
"Embora
os HERVs tenham retido alguma similaridade com suas contrapartes
exógenas, ele adquiriram tantas mutação ao longo do tempo evolutiva tal
que, com poucas exceções, eles agora são defeituosos e incapazes de
produzir proteínas. A análise do esboço do genoma humano até agora
encontrou apenas três provírus HERV com matrizes de leitura abertas
completos para gag, pol e env (os três genes virais essenciais), e pelo
menos um desses HERVs é mutado em um resíduo crítica no domínio da
transcriptase reversa do pol".
Retrotranspósons não-Retrovirais
A
maior parte não possui mobilidade, como por exemplo os SINEs (Short
Interspersed Nuclear Elements, ou Curtos Nucleares Intercalados).
Outros, como os LINEs (Long Interspersed Nuclear Elements, ou Longos
Elementos Nucleares Intercalados Longos) são autônomos, isto é, móveis. O
mecanismo de transposição difere do utilizado pelos RSRs, e está
esquematizado na figura 3 (Alberts et al., 2017, fig. 5-63).
figura 3 |
Dentre
todos SINEs no genoma humano, uma família de elementos se destaca.
Conjuntamente chamados de elementos Alu, no genoma humano o número deles
é de 1 milhão (pouco mais de 10 % do genoma) (Batzer & Deininger,
2002, p. 371). Somados, LINEs e SINEs são responsáveis por
aproximadamente 30% do genoma humano (Alberts et al., 2017, p. 291).
Veja a figura 4, que é uma representação do conteúdo da sequência
nucleotídica do genoma humano (Alberts et al., 2017, fig. 4-62).
figura 4 |
Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando onde toda essa falação quer chegar. O propósito desse post foi esclarecer algumas coisas e preparar terreno para uma segunda parte. Nela, veremos como os elementos Alu ajudaram a resolver um problema de classificação biológica, mais especificamente a relação filogenética entre humanos, chimpanzés e gorilas. Outra possível utilidade deste post é que ele pode fazer com que você aprecie mais as três camadas de evidência retroviral para o modelo evolutivo.
Até a próxima!
Referências
Bruce. A. et al. Biologia molecular da célula. Tradução: Ardala Elisa Breda Andrade. Revisão técnica: Ardala Elisa Breda Andrade, Cristiano Valim Bizarro, Gaby Renard. – 6. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.
Batzer, M. A. & Deininger, P. L. (2002) Nat. Rev. Genet. 3 370–379. [PubMed]
Griffiths DJ. Endogenous retroviruses in the human genome sequence. Genome Biology. 2001;2(6):reviews1017.1-reviews1017.5.
Bruce. A. et al. Biologia molecular da célula. Tradução: Ardala Elisa Breda Andrade. Revisão técnica: Ardala Elisa Breda Andrade, Cristiano Valim Bizarro, Gaby Renard. – 6. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.
Batzer, M. A. & Deininger, P. L. (2002) Nat. Rev. Genet. 3 370–379. [PubMed]
Griffiths DJ. Endogenous retroviruses in the human genome sequence. Genome Biology. 2001;2(6):reviews1017.1-reviews1017.5.
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