sábado, 20 de janeiro de 2018

ETs, humanos e outros primatas - Parte I

Hoje nós vamos falar de ETs, humanos e outros primatas. Não, eu não enlouqueci. Acontece que "ETs" tem pra mim outro significado. Nada ligado a extraterrestres. Elementos Transponíveis, é disso que estou falando. Também são conhecidos como transpósons. Mas afinal, o que são ETs?

O que são e como são classificados

ETs são elementos genéticos móveis, isto é, se movem de um posição para outra em um genoma. Mais especificamente, são elementos que se movem por meio de transposição. De maneira simplificada, "na transposição, uma enzima específica, normalmente codificada pelo próprio transpóson e chamada de transpoase, atua em uma sequência específica de DNA em cada extremidade do transpóson causando sua inserção em um novo sítio-alvo de DNA" (Alberts et al., 2017, p. 288).

ETs possuem certas estruturas e mecanismos de replicação. Com base nisso, são geralmente classificados em: transpósons exclusivamente de DNA, retrotranspósons semelhantes a vírus e retrotranspósons não retrovirais. Veja a tabela abaixo (Alberts et al., 2017, tabela 5-4). 


Retrovírus, Retrotranspósons e Retrovírus Endógenos 

Retrovírus

Você já deve ter ouvido falar do vírus HIV. Pois bem, ele faz parte de um grupo específico de vírus - os retrovírus. Quando no ambiente externo, isto é, fora de um célula, um retrovírus não é muito mais que um fita simples de RNA (o seu genoma) envolvido por um capsídeo proteico. Além disso, no interior do capsídeo também é encontrada uma enzima importante, chamada transcriptase reversa, que é codificada pelo próprio vírus.
Quando um retrovírus infecta uma célula, a transcriptase reversa polimeriza DNA de fita dupla usando o RNA viral como molde. Ou seja, essa enzima passa o genoma viral para a forma de DNA, um processo conhecido como transcrição reversa (veja  a figura 1; Alberts et al., 2017, fig. 5-62).  É reversa no sentido de que a transcrição "normal" se dá no sentido DNA -> RNA, enquanto na transcrição reversa acontece RNA -> DNA.  É também por isso que esses vírus são chamados de retrovírus. Por fim, a enzima integrase, também codificada pelo vírus, reconhece sequências específicas no DNA recém-transcrito e insere o DNA viral em um cromossomo da célula hospedeira.

Figura 1

Retrotranspósons Similares a Retrovírus (RSR)

Agora eu preciso contar um segredo: os retrotranspósons semelhantes a retrovírus foram chamados assim devido sua semelhança com... os retrovírus! Essa semelhança se mostra a nível de estrutura e mecanismo de transposição. Mas ao contrário dos retrovírus, "eles não possuem a capacidade intrínseca de sair da célula em que residem, mas podem ser transmitidos a todos os descendentes da célula pelos processos normais de replicação do DNA e divisão celular" (Alberts et al., 2017, p. 291). Entretanto, "como um retrovírus, a molécula de fita dupla de DNA linear é integrada em sítio do cromossomo pela ação da enzima integrase, também codificada pelo elemento" (Alberts et al., 2017, p. 291). 

Retrovírus Endógenos


Imagine que um retrovírus infecta e se insere em algum lugar do genoma de um gameta ou de uma célula precursora de gameta. Isto significa que a prole resultante herdará um retrovírus na quele lugar particular do genoma (chamada tecnicamente de locus, cujo plural é loci). Não, não é um absurdo. De fato, "cerca de 8% do genoma [humano] é derivado de sequências similares a retrovírus infecciosos, que podem ser prontamente reconhecidos devido todos os retrovírus infecciosos conter pelos menos três genes, incluindo gag (codificando proteínas estruturais), pol (enzimas virais) e env (proteínas da superfície do envelope), bem como longas repetições terminais (LTRs)" (Griffiths, DJ., 2001, p. 1). Devido a sua semelhança com retrovírus e uma vez que fixados no genoma e transmitido aos descendentes, essas sequências são chamadas de Retrovírus Endógenos (ERVs, Endogenous Retroviruses). Aqueles encontrados no genoma humano são chamados de HERVs, ou Retrovírus Humanos Endógenos (Human Endogenous Retroviruses). Na figura 2 (Griffiths, DJ., 2001, fig. 1), vemos a estrutura de provírus retrovirais. (a) retrovírus infeccioso; (b) HERV. 

figura 2


Um ponto interessante, ressaltado por Grifftiths (2001, p. 1):
"Embora os HERVs tenham retido alguma similaridade com suas contrapartes exógenas, ele adquiriram tantas mutação ao longo do tempo evolutiva tal que, com poucas exceções, eles agora são defeituosos e incapazes  de produzir proteínas. A análise do esboço do genoma humano até agora encontrou apenas três provírus HERV com matrizes de leitura abertas completos para gag, pol e env (os três genes virais essenciais), e pelo menos um desses HERVs é mutado em um resíduo crítica no domínio da transcriptase reversa do pol".

Retrotranspósons não-Retrovirais

A maior parte não possui mobilidade, como por exemplo os SINEs (Short Interspersed Nuclear Elements, ou Curtos Nucleares Intercalados). Outros, como os LINEs (Long Interspersed Nuclear Elements, ou Longos Elementos Nucleares Intercalados Longos) são autônomos, isto é, móveis. O mecanismo de transposição difere do utilizado pelos RSRs, e está esquematizado na figura 3 (Alberts et al., 2017, fig. 5-63).
figura 3


Dentre todos SINEs no genoma humano, uma família de elementos se destaca. Conjuntamente chamados de elementos Alu, no genoma humano o número deles é de 1 milhão (pouco mais de 10 % do genoma) (Batzer & Deininger, 2002, p. 371). Somados, LINEs e SINEs são responsáveis por aproximadamente 30% do genoma humano (Alberts et al., 2017, p. 291). Veja a figura 4, que é uma representação do conteúdo da sequência nucleotídica do genoma humano (Alberts et al., 2017, fig. 4-62).

figura 4

 
Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando onde toda essa falação quer chegar. O propósito desse post foi esclarecer algumas coisas e preparar terreno para uma segunda parte. Nela, veremos como os elementos Alu ajudaram a resolver um problema de classificação biológica, mais especificamente a relação filogenética entre humanos, chimpanzés e gorilas. Outra possível utilidade deste post é que ele pode fazer com que você aprecie mais as três camadas de evidência retroviral para o modelo evolutivo

Até a próxima!

Referências

Bruce. A. et al. Biologia molecular da célula. Tradução: Ardala Elisa Breda Andrade. Revisão técnica: Ardala Elisa Breda Andrade, Cristiano Valim Bizarro, Gaby Renard. – 6. ed. – Porto Alegre : Artmed, 2017.

Batzer, M. A. & Deininger, P. L. (2002) Nat. Rev. Genet. 3 370–379. [PubMed]

Griffiths DJ. Endogenous retroviruses in the human genome sequence. Genome Biology. 2001;2(6):reviews1017.1-reviews1017.5.

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