quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

A Origem de Novos Genes - Duplicação

A descendência com modificação é a melhor teoria que temos para explicar as semelhanças (genéticas, morfológicas, fisiológicas, etc) entre os organismos vivos. Apesar disso, a biologia evolutiva também tem que explicar qual a origem de novas características. Uma vez que características e genes estão relacionados, é interessante saber qual a origem de novos genes. Neste post eu vou ressaltar alguns pontos do artigo evolution by gene duplication: an update (evolução por duplicação de genes: uma atualização) que, como o próprio nome indica, aborda a evolução por duplicação de genes. Por fim, confiram um vídeo sobre a origem de novos genes por duplicação.

Geração de genes duplicados

Quando se fala em duplicação de genes, pelo menos três mecanismos podem ser ressaltados: crossing over desigual (figura 1a), retroposição (figura 1b), ou duplicação cromossômica (ou genômica). O foco será mantido nos dois primeiros mecanismos.   

Figura 1. Duas maneiras de duplicação gênica. (a) No crossing over desigual, resulta em um evento de recombinação, no qual os dois sítios recombinantes residem em localizações não-idênticas nas duas moléculas de DNA parental. (b) A retroposição ocorre quando mRNA (RNA mensageiro) é retrotranscrito em cDNA (DNA complementar), que é inserido no genoma. Os retângulos representam éxons (parte codificante) e as linhas são os íntrons (não codificantes). 

Crossing Over Desigual

Esse tipo de duplicação geralmente resulta em genes duplicados ligados ao mesmo cromossomo. A região duplicada pode conter apenas parte de um gene, o gene inteiro ou muitos genes. Ao contrário do que ocorre na retroposição (ver abaixo), os genes duplicados mantêm seus éxons e íntrons. 

Retroposição

Basicamente, neste caso, a retroposição consiste na transcrição reversa que polimeriza cDNA a partir de mRNA e, após isso, a integração do cDNA no genoma. O gene gerado por retroposição é geralmente marcado, digamos assim, pelas seguintes características: perda de íntrons e sequências regulatórias, presença de tratos poli-A (sequências AAAAA...A, onde A indica adenosina), e presença de repetições diretas flanqueando o gene duplicado. (Para mais detalhes sobre o mecanismo de retroposição, clique aqui e veja a figura 1)

Em comparação com o crosing over desigual existem ainda duas diferenças. Primeira, como a inserção no genoma é praticamente aleatória, o gene resultante da duplicação por retroposição raramente estará ligado ao gene parental no mesmo cromossomo. Segunda, com a exceção da retroposição de operons, a retroposição não duplica blocos de genes.

Genes duplicados gerados por retroposição carecem de sequências promotoras e regulatórias da transcrição, portanto, na maioria dos casos, não são sequer transcritos. Ou seja, a maioria dos genes duplicados resultantes de retroposição tornam-se imediatamente pseudogenes. Genes duplicados por retroposição, no entanto, podem podem ser expressos se forem inseridos em posteriores aos promotores de transcrição. 

O Destino dos Genes Duplicados

Pseudogenização

A redundância funcional nem sempre é vantajosa. Talvez uma cópia única de um gene seja suficiente para atender a demanda. Assim, mutações podem corromper a estrutura e função de uma cópia do gene enquanto a outra se mantém na ativa. Desse modo, uma das cópias pode se tornar completamente não-funcional, sem afetar a aptidão do organismo. Alguns pseudogenes podem, ao longo do tempo evolutivo, adquirir uma nova função ou reverter (mais raramente) à função original. Pseudogenes têm gerado bastante confusão nos debates, mas uma coisa é clara: embora não se possa afirmar que todos os pseudogenes são não-funcionais (pois claramente existem aqueles que são funcionais), também não se pode afirmar que todos os pseudogenes servem para alguma função. Prometo que abordaremos o tema neste blog numa outra ocasião. 

Subfuncionalização

Como dito anteriormente, cópias extras nem sempre indicam vantagem adaptativa. Mas genes duplicados podem ser mantidos funcionais se eles diferirem em alguns aspectos de suas funções. A subfuncionalização acontece quando cada um dos genes filhos adotam partes da função do gene parental. A subfuncionalização pode ocorrer, por exemplo, a nível proteico. Um exemplo é o surgimento de um enzima especializada na digestão em um macaco comedor de folhas, enzima esta que é o resultado da duplicação de um gene bifuncional. Assista ao vídeo no final do post. 

Neofuncionalização

Genes duplicados podem divergir do gene parental e ganhar novas funções. A isso se dá um nome bastante apropriado: neofuncionalização. Dentre vários exemplos disponíveis na literatura, é interessante o caso da origem do gene, em humanos, que produz a Proteína Catiônica Eosinofílica (ECP), que é derivado do gene que produz a Neurotoxina Derivada de Eosinófilos (EDN). Ambas, ECP e EDN, são proteínas da superfamília RNase A (proteínas degradam RNA). A ECP possui uma atividade anti-bactéria que não é compartilhada pela EDN (o gene EDN é a condição ancestral, no caso). Fato surpreendente, a atividade anti-bactéria da ECP não depende de sua atividade de ribonuclease, isto é, não depende da sua habilidade de degradar RNA.A ECP é tóxica para bactéria devido sua capacidade de tornar a membranas das bactérias porosas. Um caso como esse, da aquisição de um função nova, pode exigir muitas mutações. Mas há outros casos de neofuncionalização que são mais "fáceis" de acontecer. 

Poucas mudanças após a duplicação podem gerar um função relacionada à ancestral, mas que pode ter grande impacto evolutivo. Um exemplo conhecido é o caso dos genes de opsina verde e vermelha nos humanos, que têm origem em um evento de duplicação ancestral. Após este evento, cada opsina trilhou seu próprio caminho, o que significa que se especializaram na absorção de diferentes comprimentos de onda, existindo hoje uma diferença de 30 nm no comprimento de onda de máxima absorção. O significado disso é que a sensibilidade a cores alguns primatas (entre eles, nós) têm é devido a um evento de duplicação. 

[Para outro exemplo de neofuncionalização, veja este vídeo]


Conservação da Função

Pode acontecer de a presença de cópias extras de um gene serem benéficas. Neste caso a função original vai ser mantida em ambas as cópias, pelos enquanto for vantajoso. Isso pode ocorrer, por exemplo, por meio da Seleção Purificadora, um tipo de Seleção Natural que previne a fixação de alelos deletérios, ou seja, previne a fixação de alelos que diminuem a aptidão.

Confira, por fim, o vídeo "Parte 2 - Como Nova Informação Genética Evolui? Duplicações Gênicas". Não esqueça de ativar as legendas, caso necessite.



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