sábado, 28 de novembro de 2020

Paleontólogo identifica possível dinossauro terópode do triássico brasileiro

 


Capa. Erythrovenator jacuiensis caçando um cinodonte, por Márcio L. Castro.

Os estratos do Triássico Superior do Brasil são verdadeiros monumentos da história evolutiva inicial dos dinossauros, pois lá são encontrados alguns dos mais antigos dinossauros do mundo. No Brasil, há considerável diversidade de sauropodomorfos do Triássico Superior. Por outro lado, a situação é bem mais precária para os terópodes. O Nhamdumirim waldsangae é considerado por alguns autores como sendo um terópode do Carniano (uma idade da época Triássico Superior, ~237 a ~227 milhões de anos atrás), mas outros discordam, argumentando que se trata, na verdade, de um sauropodomorfo. Da idade seguinte, Noriano (~227 a 208.5 milhões de anos atrás), talvez Guaibasaurus candelariensis seja um terópode, mas não há consenso. Ele já foi, por exemplo, recuperado como sendo um sauropodomorfo. Há outro material possivelmente de terópode Noriano; uma porção distal de fêmur esquerdo.


Figura 1. Sítio Niemeyer, por Janaína Brand-Dillmann.  


É nesse contexto que entra em cena mais uma contribuição do paleontólogo do CAPPA/UFSM, Rodrigo T. Müller. Nesse novo artigo, Müller descreveu e analisou a posição filogenética de um espécime fragmentário de dinossauromorfo (que já havia sido brevemente descrito e discutido na literatura; ver Pavanatto et al, 2018) particularmente interessante. Trata-se de uma porção proximal de fêmur (o esquerdo, no caso), provavelmente do Noriano, embora uma idade Carniana não possa ser descartada. O material foi coletado no Sítio Niemeyer (fig. 1), no município de Agudo, Rio Grande do Sul, Brasil. Embora muito fragmentário, o estudo atribui o material a uma nova espécie de dinossauro terópode, que foi batizada de Erythrovenator jacuiensis (capa, acima).


Figura 2Erythrovenator jacuiensis, o "caçador vermelho do Rio Jacuí", por Márcio L. Castro.

O nome genérico, “Erythrovenator”, significa “caçador vermelho/avermelhado”. O adjetivo vermelho/avermelhado foi escolhido por causa do tom avermelhado do holótipo (= espécime com base no qual a espécie foi descrita e nomeada). O epíteto “jacuiensis” é uma referência ao Rio Jacuí, cujo curso passa por Agudo. O “caçador vermelho do Rio Jacuí” teria cerca de 2 metros de comprimento e 9 quilogramas (fig. 2). Embora não conheçamos dentes ou material craniano dessa espécia, como os dinossauros terópodes mais primitivos eram carnívoros, supõe-se que o Erythrovenator jacuiensis também se alimentava de carne.


Figura 3. Fotografias, scans 3D e desenhos esquemáticos da porção proximal do fêmur esquerdo do holótipo de Erythrovenator jacuiensis em vistas (A) anterior, (B) lateral, (C) proximal, (D) medial, (E) posterior. A abreviação "at" indica o trocânter anterior. Figura 2 de Müller (2020, p. 3).   

E o que sugere que seja um terópode? Erythrovenator tem um trocânter anterior bem desenvolvido. A porção proximal desse trocânter (fig. 3) é triangular em vista anterior (algo tipicamente presente nos dinossauros neoterópodes). Adicionalmente, a porção proximal do trocânter anterior se separa do corpo do fêmur por uma fenda bem marcada (fig. 4), como no caso dos dinossauros terópodes (mas também alguns silessaurídeos). Diz-se, portanto, que um trocânter anterior com essa conformação tem forma piramidal. Nos sauropodomorfos, como Saturnalia e Pampadromaeus, a ponta proximal do trocânter anterior se separa do corpo do fêmur por uma fenda menos expressiva, isso quando a conexão com o corpo não é completa. O trocânter anterior se estende medialmente, formando uma plataforma, unicamente presente em terópodes. A análise filogenética corrobora a inclusão da nova espécie dentro de Theropoda. Os valores estatísticos que dão suporte a essa hipótese, contudo, são relativamente baixos.


Figura 4. Vistas mediais de fêmures de dinossauriformes selecionados. A - Erythrovenator jacuiensis; B - Syntarsus kayentakatae; C - Dilophosaurus wetherilli; D - Buriolestes schultzi; E - Saturnalia tupiniquim; F - Pampadromaeus barberenai. Abreviações importantes: at, trocânter anterior; c, fenda. O corpo do fêmur é a parte longa, da qual se preservou apenas a porção proximal (isto é, mais próxima da pelve/bacia). Figura 3 de Müller (2020, p. 4). 


Müller encerra sua contribuição ressaltando que “o reconhecimento de potenciais sinapomorfias [dos terópodes], como um trocânter anterior com forma piramidal, nos ajuda a identificar espécimes fragmentários em níveis menos inclusivos, lançando luz sobre as nossas mais antigas faunas de dinossauros.”

 

Para saber mais:

Rodrigo T. Müller. A new theropod dinosaur from a peculiar Late Triassic assemblage of southern Brazil, Journal of South American Earth Sciences, 2020, 103026, ISSN 0895-9811. https://doi.org/10.1016/j.jsames.2020.103026.

PAVANATTO, Ane Elise Branco et al. A new Upper Triassic cynodont-bearing fossiliferous site from southern Brazil, with taphonomic remarks and description of a new traversodontid taxon. Journal of South American Earth Sciences, v. 88, p. 179-196, 2018.

 

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DNA Lixo: a volta dos que não foram

Nos últimos tempos, quando escrevo algo, geralmente trato de paleontologia. Antes eu dedicava maior atenção ao que acontecia no mundo molecu...