As evidências da descendência com modificação e ampla ancestralidade
comum da vida são, além de numerosas, poderosas. A paleontologia de dinossauros,
por exemplo, fornece um conjunto robusto de fatos que sustentam muito bem a
evolução. Quando eu preciso tentar convencer alguém sobre a possibilidade de
evolução em grande escala, quase sempre me volto ao que é um dos maiores
triunfos da paleontologia de vertebrados das últimas décadas: o estabelecimento
do fato que as aves são dinossauros viventes.
Figura 1. Megalosaurus do Crystal Palace. Escultura de Benjamim Waterhouse Hawkins. By www.CGPGrey.com, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=708630. |
O que eu não sabia é que ao erigir o grupo Dinosauria
em 1842, Richard Owen (fig. 2), um grande anatomista da Era Vitoriana e um dos maiores
rivais de Charles Darwin, não meramente declarou uma proposta taxonômica. Ele usou os dinossauros contra as ideias transmutacionistas da época, especialmente as ideias de
Robert Grant, que muito admirava e também defendia o transmutacionismo nos
moldes do que foi proposto pelo francês e historicamente injustiçado Jean-Baptiste
de Lamarck.
Figura 2. Richard Owen com um crânio de crocodilo, 1856. By Maull & Polyblank - Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=7899253. |
Quando os primeiros dinossauros foram descritos, Megalosaurus
(por Buckland, 1824) e Iguanodon (por Gideon Mantell, 1825), ainda sem
serem reconhecidos como “dinossauros”, evidentemente, eles foram concebidos como
sendo versões gigantes de lagartos. As estimativas de comprimento foram feitas,
portanto, assumindo-se as proporções típicas desses répteis. Assim, Buckland
estimou que o Megalosaurus se "igualava em altura [aos] nossos maiores elefantes
e, em comprimento, deve ter ficado um pouco aquém das nossas maiores
baleias". Após a consideração de algumas complicações, ele chegou ao valor
mais modesto de algo entre 18 e 21 metros de comprimento.
Richard Owen, desconfiado dessas estimativas assombrosas,
abordou a questão de forma diferente. Empregando um método de medição das vértebras
e estimativa do número total delas com base em crocodilianos e lagartos, Owen
reduziu a estimativa de comprimento: Megalosaurus, por exemplo, teria,
segundo Owen, cerca de 9 metros. E essa não foi a única modificação. Owen deu
um ar mais mamaliano aos dinossauros, em termos de proporções e até anatomia: ao
invés de imaginar os dinossauros com membros se projetando lateralmente (como nos lagartos), Owen adotou
uma postura mais mamaliana, com os membros mais para abaixo do corpo.
O Resultado dessa revisão, pelo menos em se tratando da
anatomia e da aparência, pode ser visto nas reconstruções de dinossauros do
Crystal Palace (fig 1.), que foram feitas sob supervisão de Richard Owen. Percebe-se que
elas têm um quê de répteis gigantes um pouco similares a mamíferos paquidermes,
aos quais, inclusive, Owen fez alusão algumas vezes na descrição dos dinossauros.
Figura 3. Megalosaurus, reconstrução de Richard Owen. Imagem extraída de Desmond (1979). |
Os dinossauros de Owen, na visão dele, eram o apogeu
dos répteis. Ele escreveu:
Os Megalossauros e Iguanodontes, regozijando-se com
essas modificações mais perfeitas do tipo Reptiliano, atingiram a maior massa e
devem ter desempenhado os papéis mais conspícuos... que este mundo já
testemunhou em criaturas ovíparas e de sangue frio.
Uma vez que Owen tinha reconhecido apenas três espécies (Hylaeosaurus era a terceira) de dinossauros até então, e considerando que os espécimes eram fragmentários, é justificável pensar que Owen inferiu muito com base em tão pouco. Assim, a transformação que Owen impôs sobre os dinossauros não é simplesmente um reflexo de um melhor conhecimento dos fatos. Seja como for, os novos dinossauros, conforme Owen os concebeu, tinham o benefício de refutar o transmutacionismo Lamarckista de Robert Grant (fig. 4).
Figura 4. Robert E. Grant, 1852. By Unknown author - Desmond A. 1982. Archetypes and ancestors. p117 [1], Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4307438. |
Robert Edmond Grant foi professor de Darwin em Edimburgo,
quando o jovem Charles tentava, por livre e espontânea pressão paterna, uma
carreira na medicina. Sobre Grant, Darwin disse em sua autobiografia:
Um dia, quando caminhávamos juntos, ele fez um
discurso elogioso das ideias de Lamarck sobre a evolução. Ouvi-o com surpresa e
em silêncio e, tanto quanto posso julgar, sem que aquilo surtisse efeito em
minha mente.
Ao contrário do que se aprende em muito cursos, que enfatizam demais a herança dos caracteres adquiridos (inclusive atribuindo falsamente a ideia a Lamarck) e o uso e desuso, no coração das ideias transmutacionistas de Lamarck estava
a organização da vida em um contínuo de complexidade, dos mais simples
organismos ao homem. Robert Grant, então na University College London, comparou
essa ideia central com o registro fóssil, avaliando se a história da
vida era de ascensão e escalada de complexidade e perfeição ou não. Grant concluiu que
“a doutrina das petrificações, mesmo em sua condição imperfeita presente, nos
fornece considerações que parecem favorecer a hipótese do Sr. Lamarck.”
Os dinossauros de Owen, bem como outras instâncias do
registro fóssil, refutavam essa alegação. Ora, se eles eram o apogeu da
condição reptiliana e haviam existido no longínquo Mesozoico, onde está a
escalada em complexidade, perfeição ou "nobreza taxonômica" que Lamarck e Grant supunham existir? Onde os trasmutacionistas
diziam ver ascensão, Owen reivindicava degeneração, pois os répteis da fauna moderna não são tão "elevados" quanto os dinossauros, aqueles "terríveis lagartos" do passado distante.
Assim, a concepção dos dinossauros atestou contra a transmutação.
Hoje, em se tratando da evolução nos moldes Darwinianos de ancestralidade comum
e descendência com modificação, a maturidade da paleontologia de dinossauros provê o efeito oposto. Ironias da história. Não são elas um chamado para a humildade intelectual?
Para
saber mais:
DESMOND,
Adrian J. Designing the dinosaur: Richard Owen's response to Robert Edmond Grant.
Isis, v. 70, n. 2, p. 224-234, 1979.
OWEN,
Richard. Report on British fossil reptiles, part II. Report for the British
Association for the Advancement of Science, Plymouth, v. 1841, p. 60-294, 1842.
RUPKE,
Nicolaas; OWEN, Richard. Biology without Darwin, a revised edition. 2009.
DARWIN, Charles. 1882. Rio de Janeiro: Contraponto, 2000.
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