quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Relato de um ex-criacionista


Esse post virou vídeo!

Quando eu tinha 14 anos, fui estudar no IFCE, Campus Iguatu, buscar o diploma de Técnico em Agropecuária Integrado ao Ensino Médio. Para pessoas pobres como eu e meu irmão, essa era uma opção muito cobiçada, uma vez que eu teria a possibilidade de ter uma boa educação (realmente, tive) e ainda ter uma "profissão", caso não quisesse/pudesse dar prosseguimento aos estudos. Eu aprendi muito lá. E foi durante os 3 anos no IF que acabei por desenvolver o meu amor pela ciência - e um certo desgosto pela religião. Mas nem sempre foi assim.

Entrada do IF, Campus Iguatu, Unidade Cajazeiras. Disponível aqui.
   

Quando eu cheguei no IF, a minha visão de mundo era bastante limitada. Sim, eu acreditava que a Terra orbitava o sol e que ela não era plana. Mas pra mim a Terra era um lugar muito especial, e não pelos motivos que penso hoje. Era especial porque foi aqui, nesse planetinha que depois aprendi a chamar de pálido ponto azul, que Deus havia nos criado à sua imagem e semelhança, conforme sugere uma leitura mais literal do Gênesis. A Terra era o lugar que Deus criou exclusivamente para nós. E nós, humanos, éramos o pináculo da criação. Nenhum ser vivo era mais nobre do que nós, eu pensava. 

Eu venho de uma família cristã, majoritariamente católica apostólica romana. E lá no sertão-central onde eu fui criado, todo mundo pensava mais ou menos assim. Eu não era nenhum ponto fora da curva. Ou talvez fosse, muito levemente. Minha memória não é das melhores, mas eu lembro de quando criança eu saber que existiram dinossauros e que eles foram extintos (hoje eu sei que nem todos foram), e não tenho nenhuma lembrança de algum dia ter acreditado que a Terra era muito jovem, apesar da minha visão mais literal do Gênesis. Nesse sentido, quado eu cheguei no IF eu era o que se pode chamar de Criacionista da Terra Antiga, embora na época eu nem soubesse da existência desse termo. O ano era 2010.

Por volta de meados de 2011, se não me engano, eu não mais mantinha essa visão estrita e limitada, moldada pela minha experiência com a religião cristã. O que aconteceu? Pra ser sincero, minha memória é péssima, portanto eu jamais poderia dar um relato detalhado. Mas posso ressaltar algumas coisas. Vou tentar. 

Olhando para o longínquo ano de 2010 eu consigo me lembrar de alguns momentos de empolgação ao estudar o tema origem da vida, que nos foi apresentado pelo professor De Montier. O que é estranho, uma vez que eu cheguei lá completamente averso à ideia de origem natural da vida ou evolução. Inclusive, lembro certa vez ter visto meu irmão lendo "A Origem das Espécies" e ter ficado bravo por isso, pois era uma espécie de sacrilégio questionar a Palavra. Ainda no primeiro ano do ensino médio, eu fiquei apaixonado pela Química. Adonay Loiola, recém doutorado pela Universidade de Manchester, e também o professor Aguinaldo, foram responsáveis por apresentar para mim uma ciência que explicava muito bem diversos fenômenos. Eu fiquei particularmente fascinado pela Teoria Atômica. Átomos e moléculas viraram uma paixão. 

Essa paixão pela química se manteve durante o segundo ano, agora graças à cordialidade e receptividade do professor Rafael Portella, doutorando pela UFC na época. Se não me falha a memória, à época que tive aulas com o Rafael o meu amor pela Teoria Atômica havia me levado ao documentário Átomo, apresentado pelo professor Jim Al-Khalili. Foi nesse documentário que eu aprendi mais sobre o desenvolvimento da Teoria Atômica e comecei a engatinhar em temas como Teoria da Relatividade e Física Quântica. E assim eu fui deslizando da Química para a Física. 

Ao mesmo tempo em que ocorria essa guinada para o lado da Física, outra revolução na minha vida tomava lugar. Eu passei a questionar a Bíblia. As supostas explicações dadas por essa coletânea de livros me pareciam, na melhor das hipóteses e para manter o respeito, superficiais, infundadas e/ou vagas. Além disso, lembro que uma dúvida foi corroendo cada vez mais minha crença em um Deus pessoal: o sofrimento humano. Sim, o problema do mal. Não fazia (e ainda não faz) sentido para mim que num universo governado por um Deus bondoso, nosso Pai celestial, houvesse tanta dor e sofrimento. Eu não preciso nem dar exemplos. Você conhece. Você sofre. Eu também. Todos sofremos. E alguns, infelizmente, bem mais que os outros. 

Não sei dizer como, mas encontrei uns vídeos na internet de um cara chamado... Richard Dawkins. Eu passei a devorar os vídeos. Por volta dessa época eu também devo ter visto uma coisa ou outra do Cristopher Hitchens e do Sam Harris, mas forte na minha memória eu só tenho o Dawkins. Eu virei basicamente o que todo ateu, jovem e chato se torna - um discípulo de Dawkins. Mas isso não foi de todo ruim pois, afinal, Dawkins sempre deixou claro qual era seu ídolo - Charles Darwin. Claro que a essa altura o nome já não me era estranho, mas eu nunca tinha parado pra avaliar as ideias de Darwin. Foi por causa do Dawkins que eu passei a dar mais atenção para a Biologia. Mais uma guinada, portanto. É curioso. Não foi a evolução que me levou ao ateísmo, mas o ateísmo que me levou à evolução.

No Centro de Capacitação da Unidade Cajazeiras fica a biblioteca Lourival Pinho. Disponível aqui.

Muitas outras leituras, vídeos e acontecimentos certamente moldaram a minha mudança de um Criacionista para alguém que aceita a evolução como um fato científico. Eu ressaltei aqui a descoberta do meu amor pela ciência e um desgosto (Dawkins-induzido) pela religião. E por falar em amor pela ciência... Foi nesse processo de descoberta que eu li pela primeira vez algo do Carl Sagan (o livro Bilhões e Bilhões) e assisti alguns episódios de Cosmos na biblioteca do IF, onde havia uma sala para assistir filmes e documentários gravados em mídia física. "O Cosmos é tudo que é, ou foi, ou será". Caramba, quanta nostalgia!

Interior da biblioteca Lourival Pinho. Disponível aqui.

Esse relato parece uma colcha de retalhos. E é mesmo. Minha memória é péssima. Mas se tem algo que me tirou do criacionismo, eu posso dizer que foi a ciência, a boa ciência. E não foi a ciência bruta, publicada nos artigos. Não, longe disso. Foi a ciência que chegou a mim sob a forma de divulgação científica. O meu relato é, evidentemente, pessoal e serviria no máximo como evidência anedótica. Mas me parece que a única forma de combater o criacionismo, que é geralmente a personificação da ignorância, seja o conhecimento. Eu era criacionista por pura ignorância. E muitos ainda o são exatamente pelo mesmo motivo. 

Eu me apaixonei pela ciência. E foi um caminho sem volta. Ainda bem. 

Um comentário:

  1. A minha família nunca foi muito religiosa, meu avô era assumidamente ateu e meus pais são cientistas (no caso do meu pai, ele só é um entusiasta, mas minha mãe é bióloga mesmo, rs), então a educação que eu recebi foi a base de artigos científicos (eu lembro que um dos primeiros que eu li, eu tinha por volta de 6 anos, foi sobre a descoberta de um novo dinossauro, que infelizmente eu não vou lembrar nem qual espécie era e qual revista era... faz mais de uma década.. enfim... e eu fiquei tão empolgada com o que eu li que eu fiz vários desenhos sobre aquele dinossauro em várias ocasiões diferentes... caçando, correndo...), além disso, minha mãe vez ou outra me levava pro INPA quando não tinha ninguém com quem me deixar, e lá eu conheci vários outros cientistas maravilhosos que acenderam ainda mais o meu amor por biologia... e com isso, eu nunca acreditei no criacionismo, já que ele não era algo do meu cotidiano, e isso enfurecia tanto as professoras e até alguns colegas meus... eu lembro uma vez no ensino médio já, quando o professor estava fazendo um debate bíblico e ele perguntou o que eu achava, e disse que eu não acreditava naquilo (ele acreditava no mito de Adão e Eva), ele pediu uma reunião com meus pais e pediu pra eles me levarem numa igreja! Meus pais me tiraram daquela escola, mas, até lá, esse professor ficou de marcação comigo.... enfim... hoje eu já estou na metade do curso de biologia e minha meta é ser paleontóloga... porque sim, desde que eu li aquele artigo com 6 anos eu me encantei por animais pré-históricos no geral, inclusive, a maior dúvida que eu estou tendo no momento é que eu não faço ideia qual grupo de animais eu quero me especializar kkkk... mas eu ainda tenho alguns anos pela frente, quem sabe até lá eu consiga decidir.

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