Os dinossauros são fascinantes e apesar de todos os esforços, que não
são poucos, muitos mistérios ainda os cercam. Um desses enigmas é a origem de
Ornithischia, aquele grupo de dinossauros que inclui os famosos Triceratops,
Ankylosaurus e Stegosaurus, para citar apenas alguns exemplos. Em estudo
publicado no periódico britânico Biology Letters, Rodrigo Müller e
Maurício Garcia, pesquisadores brasileiros sitiados na Universidade Federal de
Santa Maria, atacaram o problema, propondo uma solução bastante interessante. Mas
para apreciar a proposta, recapitulemos algumas coisas.
Tradicionalmente, os dinossauros são divididos em dois grandes grupos (fig. 1), Saurischia (incluindo os dinossauros terópodes [como o Tyrannosaurus e as aves] e os sauropodomorfos [como aqueles saurópodes pescoçudos]) e Ornithischia. Enquanto que a origem dos saurísquios é bastante explorada e conta com uma ajudinha do maior número de fósseis do Período Triássico, a aurora dos ornitísquios é mais nebulosa devido a falta de fósseis triássicos que possam ser seguramente atribuídos a esses dinossauros. E é aí que mora o problema. Uma vez que saurísquios e ornitísquios compartilham um ancestral comum e fósseis da linhagem dos saurísquios são conhecidos do período triássico, então a linha dos ornitísquios necessariamente existia durante esse período. Onde estão seus fósseis? Há aí uma lacuna, uma “linhagem fantasma”.
A proposta de Müller e Garcia entra em cena agora.
Figura 1. Divisão tradicional dos dinossauros. A imagem é uma cortesia de Rodrigo Müller, Maurício Garcia e Márcio L. Castro. |
Os silessaurídeos, como o brasileiríssimo Sacisaurus agudoensis (que viveu a cerca de 225 milhões de anos [Triássico, portanto] e foi encontrado em Agudo, Rio Grande do Sul; ver fig. 2) integram um grupo formalmente conhecido como Silesauridae, geralmente considerado uma linhagem de parentes próximos dos dinossauros, embora não sejam dinossauros de fato. Combinando informações anatômicas recentes e não tão recentes extraídas de dezenas de fósseis descobertos ao redor do mundo (incluindo o Brasil), Müller e Garcia construíram uma filogenia, que revelou algo interessante. Muito interessante. Vale ressaltar que antes desse estudo, o “boom” de informações advindas das muitas e fascinantes descobertas realizadas durantes os últimos anos no Brasil e no mundo não haviam ainda sido combinadas em um único e abrangente conjunto de dados.
Figura 2. Sacisaurus agudoensis, um silessaurídeo brasileiro. A imagem é uma cortesia de Rodrigo Müller, Maurício Garcia e Márcio L. Castro. |
A filogenia produzida pela análise de Müller e Garcia revela que, ao contrário
de parentes próximos, os silessaurídeos são dinossauros de fato! Mais ainda, o
estudo sugere que Ornithischia evolui de uma linhagem de ‘Silesauridae’. Isto
é, há silessaurídeos que são parentes mais próximos de ornitísquios do que de
outros silessaurídeos (quando isso acontece, podemos dizer que Silesauridae é
um grupo não-natural, mais especificamente parafilético. Grupos parafiléticos
são indicados pelo uso das aspas, como em ‘Silesauridae’. Para saber mais sobre
isso, você pode dar uma olhada na série “Como Organizamos Os Seres Vivos” e nos
vídeos sobre Sistemática Filogenética nesta playlist do canal). É importante
não confundir a hipótese de Müller e Garcia (fig. 3, "nova hipótese") com propostas anteriores que indicavam
simplesmente algum grau de relação estreita entre Ornithischia e Silesauridae
(fig. 3, "hipótese alternativa").
Figura 3. Hipóteses sobre as relações entre silessaurídeos e dinossauros. A imagem é uma cortesia de Rodrigo Müller, Maurício Garcia e Márcio L. Castro. |
Os silessaurídeos são conhecidos de rochas do Triássico de vários
localidades do mundo e, portanto, se Müller e Garcia estiverem certos, a lacuna na
evolução dos ornitísquios foi agora pelo menos parcialmente preenchida. A proposta
ainda sugere que o ancestral dos ornitísquios possivelmente era carnívoro, o que
pode parecer estranho, uma vez que os ornitísquios via de regra apresentam
características relacionadas à herbivoria (ou seja, dieta a base de plantas).
Contudo, não é uma proposta absurda. Longe disso. Esse mesmo padrão pode ser
observado no caso dos sauropodomorfos, cujo ancestral também era provavelmente
carnívoro.
Figura 4. Filogenia simplificada dos Dinosauria. A imagem é uma cortesia de Rodrigo Müller, Maurício Garcia e Márcio L. Castro. |
É uma hipótese muito interessante ,o do meio científico . Trazendo luz a um clado tão pouco conhecido.vamos aguardar mais descobertas. E uma possível confirmação. Parabéns matéria top.
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