terça-feira, 17 de março de 2020

Coronavírus - Lições Evolutivas

Eletromicrografia de vírions SARS-CoV-2 com coronas visíveis. By NIAID Rocky Mountain Laboratories (RML), U.S. NIH - https://www.niaid.nih.gov/news-events/novel-coronavirus-sarscov2-images, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=87089605.


Estamos em meio a uma pandemia de COVID-19, doença infecciosa cujo causador é o coronavírus SARS-CoV-2. Já tem muita gente boa, bem mais gabaritada do que eu, cobrindo o assunto. Por isso, quase não tenho abordado o tema. Hoje eu vou ressaltar algumas coisas, muito mais sobre a evolução do que a respeito do vírus e da doença em si. 

Foi publicado hoje (17/03/2020) na Nature Medicine um artigo sobre as possíveis origens do SARS-CoV-2. Logo de cara, preciso dizer que os autores são enfáticos ao dizer que "nossas análises mostram claramente que o SARS-CoV-2 não é um vírus construído em laboratório ou manipulado propositalmente".

Uma das evidências que apontam para essa conclusão é a seguinte:

"Enquanto as análises acima sugerem que o SARS-CoV-2 pode se ligar ao [receptor] ACE2 humano com alta afinidade, análises computacionais predizem que a interação não é ideal e que a sequência RBD [Receptor Binding Domain] é diferente daquelas que, para o SARS-CoV, foram demonstradas ótimas para a ligação ao receptor."

Se alguém tivesse de engendrar uma cepa de coronavírus para se ligar com maior especificidade aos receptores  ACE2 humanos, muito provavelmente teria utilizado as soluções otimizadas já conhecidas. 

Só há outra opção: o vírus evoluiu naturalmente. Sendo assim, é interessante notar como a evolução pode encontrar solução diferentes para um mesmo problema (se ligar a receptores eficientemente, no caso). Muitas pessoas são tentadas a olhar como os organismos biológicos resolvem seus problemas e concluir que, invitavelmente, aquelas soluções observadas são as únicas possíveis. 

No caso do SARS-CoV-2, não só o vírus encontrou uma solução diferente. Ela sequer é a mais otimizada. A evolução frequentemente apronta dessas. Ela encontra um caminho, mas nada garante que é o mais curto, o melhor, nem o único possível. Podem haver alternativas menos custosas (em termos de número de mutações, por exemplo), porém mais eficientes. Os criacionistas precisam entender isso, antes de qualquer cálculo de probabilidade tosco. 

No estudo publicado, os autores ressaltam outra característica notável do SARS-CoV-2:

"A proteína spike do SARS-CoV-2 tem um sítio de clivagem (furina) polibásico funcional no limite entre S1 e S2*, [o que foi adquirido] por meio da inserção de 12 nucleotídeos".

*S1 e S2 são domínios da proteína spike. Aliás, são as proteínas spike quem conferem o aspecto de "coroa". 

E daí? Bem, sem entrar nos detalhes, eu posso dizer que os autores argumentam que estudos permitem ligar a presença desse sítio de clivagem com a infectividade do vírus. Tá, mas e daí? 

Temos aqui um exemplo claro que como a evolução é capaz de alterar o genoma, inclusive adicionar "informação genética", seja de forma adaptativa (como parece ser o caso, uma vez que essa inserção pode contribuir para a infectividade do vírus) ou não. Sem mágica, apenas processos naturais. Outro aspecto que já está mais do que na hora dos criacionistas entenderem. 

Mas se entendessem, não seriam criacionistas. 


Mantenham-se bem informados. E cuidem-se!

O artigo:

Andersen, K.G., Rambaut, A., Lipkin, W.I. et al. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nat Med (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-0820-9. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

DNA Lixo: a volta dos que não foram

Nos últimos tempos, quando escrevo algo, geralmente trato de paleontologia. Antes eu dedicava maior atenção ao que acontecia no mundo molecu...