quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Animais Fantásticos Que Não Mais Habitam - Gado Triássico!


Introdução

Este é mais um roteiro da série “Animais Fantásticos Que Não Mais Habitam”. Ele vai estar numerado como número 6 (clique aqui para assistir) porque resolvi colocar outros vídeos antigos na playlist dessa série, uma vez que eles são dedicados a tratar de animais (fantásticos) extintos específicos. Vamos nessa!

O animal fantástico

Hoje nós vamos falar de um bicho que viveu no período Triássico. Ele foi descrito em 2017 e é bastante bizarro. Por isso ele está aqui nessa série. Apresento-lhes o gado do Triássico Médio, Shringasaurus indicus!


Figura 1. Shringasaurus indicus. By: Liam Elward (@paleobyliam).


Etimologia (Sengupta et al. 2017)

‘Śṛṅga’ (Shringa), em sânscrito antigo, significa “chifre”; ‘sauros’ (σαῦρος), em grego, significa lagarto; ‘indicus’, latinização de “indiano”, uma vez que os fósseis foram encontrados na Índia. Sendo assim, Shringasaurus indicus significa algo como “lagarto-de-cifres indiano”.


Holótipo (Sengupta et al. 2017)

O holótipo é o ISIR-780, que consiste de ossos da parte de cima do crânio (pré-frontal, frontal, pós-frontal e parietal) com um chifre supraorbitário (acima da órbita).

Materiais referidos (Sengupta et al. 2017)

Parátipos*: ossos cranianos e pós-cranianos pertencentes a pelo menos sete indivíduos de diferentes idades, todos coletados numa área de 5mx5m.

*Parátipo é um espécime que, apesar de não ser o holótipo, é usado na descrição de uma espécie nova.



Figura 2. Holótipo (e), parátipos, reconstrução (a, c) e comparação do crânio. Nas imagens d-f um dos lados foi espelhado digitalmente. Sengupta et al. 2017.



Figura 3. Parátipos e reconstrução. Sengupta et al. 2017.

Localidade-tipo (Sengupta et al. 2017)

Os fósseis foram coletados nas proximidades do vilarejo Tekapar, no distrito Hoshangabad, que fica no Estado de Madhya Pradesh, na Índia.


Figura 4. Localização dos fósseis. Sengupta et al. 2017.


Contexto geológico (Sengupta et al. 2017)

Os estratos geológicos contendo os fósseis situam-se na Formação Denwa, datados do começo do Triássico Médio, correspondendo ao Anisiano (247.2242 milhões de anos). Portanto, são anteriores aos mais antigos dinossauros conhecidos, que são do Carniano (237227 milhões de anos).


Características diagnósticas (Sengupta et al. 2017)

Animal relativamente grande, atingindo 3 ou 4 metros de comprimento. A característica diagnóstica mais conspícua dos Shringasaurus é, adivinhe você, a presença de um par de cifres supraorbitários subcônicos que se projetam anterodorsalmente, algo similar a alguns dinossauros ceratopsídeos.


Figura 5. Reconstrução do crânio do Shringasaurus indicus. By: @MacnVp.


Sistemática
Archosauromorpha Huene, 1946:
Grupo formado pelos répteis da linhagem dos arcossauros – linhagem das aves e linhagem dos crocodilianos – e formas afins.  
Allokotosauria Nesbitt et al., 2015:
Um grupo de estranhos répteis herbívoros do Triássico Médio conhecidos da Ásia, África, América do Norte e Europa.
Azendohsauridae Nesbitt et al., 2015:
Família de allokotossauros que inclui os gêneros  Shringasaurus e Azendohsaurus e possivelmente outros representativos triássicos.


Figura 6. Relações filogenéticas entre arcossauromorfos. Sengupta et al. 2017.


Paleobiologia (Sengupta et al. 2017; Sengupta 2018)

Como eu disse anteriormente, foram encontrados diversos indivíduos dessa espécie, em diferentes estágios do desenvolvimento ontogenético, ou seja, uns mais novos, outros mais velhos. Assim, é possível observar que havia uma tendência conforme o indivíduo envelhecia: os chifres tornavam-se maiores e mais robustos.

Esses chifres robustos, subcônicos, não ramificados, são encontrados em diversos amniotas e servem como sinal de qualidade individual e armas para lutas intraespecíficas, isto é, em combate com indivíduos da mesma espécie, geralmente machos disputando uma fêmea. Então, é possível que a evolução desses chifres, que ocorreu independentemente várias vezes, se tenha se dado por seleção sexual atuando sobre o desempenho dessas armas em combates e dispositivos de sinalização individual.

É possível, portanto, que os Shringasaurus fossem dotados de chifres por essas razões. Aliás, pelo menos (Fig. 1g) um dos espécimes encontrados nessa assembleia de fósseis de Shringasaurus possuía ossos frontais sem chifres, indicando aí um possível dimorfismo sexual. E dimorfismo sexual geralmente é atribuído à seleção sexual. 

Não bastasse a convergência com dinossauros ceratopsídeos, os Shringasaurus também exibem algum grau de convergência com dinossauros sauropodomorfos, como a forma dos dentes marginais, os quais são sugestivos de herbivoria.


Figura 7. Dente de Azendohsaurus. Os dentes dos Shringasaurus são similares. By Martín D. Ezcurra - The phylogenetic relationships of basal archosauromorphs, with an emphasis on the systematics of proterosuchian archosauriforms. (2016) PeerJ 4:e1778 https://peerj.com/articles/1778/, CC BY 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=72302020

Sendo assim, os Shringasaurus devem cumprido o papel ecológico de grandes consumidores primários, papel este que, antes da descoberta dessa espécie, acreditava-se ter sido restrito, no que diz respeito ao paleozoico, começo e meio do Triássico, aos sinapsidos.

Em 2018, Sengupta, um dos pesquisadores que descreveu o Shringasaurus, reportou que um dos espécimes, um adulto, possuiu um par de vértebras cervicais aberrantes, parcialmente fusionadas – uma paleopatologia. Essas vértebras podem ter ficado assim devido a uma má formação, espondiloartropatia (um tipo de artrite) ou como resultado de uma infecção bacteriana ou fúngica no disco intervertebral. Aparentemente essa patologia não afetou muito o animal, uma fez que ele viveu até a idade adulta.

Paleoecologia (Sengupta et al. 2017)

Na formação Denwa já foram encontrados diversos vertebrados. Por exemplo: Ceratodus sp. (peixe-pulmonado), Paracyclotosaurus crookshanki e Cherninia denwai, ambos da linhagem dos anfíbios, além de rincossauros e dicinodontes. 

Encerramento

E aí, o que achou desse episódio da série? Deixe sua opinião aí na aba de comentários. Não se esqueça de curtir (o vídeo) e compartilhar para dar aquela força ao canal! Até o próximo episódio!


Para saber mais

SENGUPTA, Saradee; EZCURRA, Martín D.; BANDYOPADHYAY, Saswati. A new horned and long-necked herbivorous stem-archosaur from the Middle Triassic of India. Scientific reports, v. 7, n. 1, p. 8366, 2017.

NESBITT, Sterling J. et al. Postcranial osteology of Azendohsaurus madagaskarensis (? Middle to Upper Triassic, Isalo Group, Madagascar) and its systematic position among stem archosaur reptiles. Bulletin of the American Museum of Natural History, v. 2015, n. 398, p. 1-126, 2015.

SENGUPTA, Saradee. Fusion of cervical vertebrae from a basal archosauromorph from the Middle Triassic Denwa Formation, Satpura Gondwana Basin, India. International journal of paleopathology, v. 20, p. 80-84, 2018.

Wikipedia contributors. (2020, January 5). Shringasaurus. In Wikipedia, The Free Encyclopedia. Retrieved 23:32, January 15, 2020, from https://en.wikipedia.org/w/index.php?title=Shringasaurus&oldid=934319375

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