segunda-feira, 4 de novembro de 2019

Dinossauros não-avianos no Paleoceno?

By Mark Garlick

Como é de comum conhecimento, os dinossauros não-avianos foram todos extintos há cerca de 66 milhões, marcando o fim da Era Mesozóica (Alvarez et al. 1980; Schulte et al. 2010; Renne et al. 2013). Mas será que foram todos mesmo? Será possível que uma ou poucas linhagens de dinossauros não-avianos tenham visto a luz do Paleogeno? 

Há quem acredite que sim. Alguns pesquisadores alegaram ter descobertos fósseis de dinossauros que sobreviveram ao fim do Cretáceo. Sloan et al. (1986) reportaram fósseis de dinossauros da formação Hell Creek  acima da borda muito característica que define o limite Cretáceo-Paleogeno ou K-Pg* (ver Schulte et al. 2010). Em artigo publicado na Science, eles disseram: 

Nossas coleções recentes (Tabela 1) sugerem que a extinção final local ocorreu cerca de 40.000 anos após o impacto do asteróide postulado com base em um canal de arenito com topo 1,3 m acima do carvão Z mais baixo, o limite local do Cretáceo / Terciário (K / T) . Este canal contém dentes não trabalhados de mamíferos Mantuanos**, sete espécies de dinossauros e pólen do Paleoceno.

*K-Pg é a versão atualizada de K/T. 
** Mantuano é uma terminologia proposta (mas aparentemente não aceita, até onde pude checar) de uma idade na escala de tempo usada para caracterizar faunas de mamíferos terrestres da América do Norte, conhecida como NALMA. Em termos de escala geológica geral, o Mantuano é uma parte do Daniano, a primeira idade da época Paleocena do período Paleógeno. 

Em 2001, Fassett et al. apresentaram suposta evidência para a presença de dinossauros não-avianos do paleoceno, encontrados em depósitos da Formação Ojo Alamo (Bacia de San Juan, New Mexico, EUA). Para ser mais preciso, os pesquisadores argumentaram que um fêmur de hadrossauro encontrado acima de estratos contendo pólen característico do paleogeno só pode ter vivido após a extinção dos demais dinossauros não-avianos (Fig. 1). Em suas palavras:


Após a escavação do fêmur de hadrossauro do sítio San Juan River, uma camada xisto carbonáceo foi descoberta cerca de 160 m a oeste da localidade do osso do dinossauro e 3 m estratigraficamente abaixo do nível a partir do qual o osso foi escavado. Amostras deste leito de carvão foram coletados e analisados ​​para obter seu conteúdo de pólen e esporos e se descobriu que contém um conjunto diversificada, incluindo Momipites tenuipolis, indicando uma idade do paleoceno para essas rochas.

Figura 1. Coluna estratigráfica composta da parte inferior dos arenitos de Ojo Alamo, San Juan River. Créditos: Fassett et al. 2001. 


Fassett, Heaman & Simonetti (2011) alegaram ter datado diretamente dois ossos de dinossauros, um encontrado abaixo do limite K-Pg, e o outro acima. Os resultados, segundo os autores, foram os seguintes: 

Fósseis de vertebrados são importantes para a datação relativa de rochas terrestres há décadas, mas a datação direta desses fósseis até agora não teve êxito. Neste estudo, empregamos recentes avanços nas técnicas de datação de ablação a laser U-Pb  in situ   para datar diretamente dois fósseis de dinossauros da Bacia de San Juan, no noroeste do Novo México e no sudoeste do Colorado, Estados Unidos. Um osso de dinossauro cretáceo coletado logo abaixo da interface Cretáceo-Paleogeno produziu uma data U-Pb de 73,6 ± 0,9 Ma, em excelente concordância com uma data 40Ar / 39Ar previamente determinada de 73,04 ± 0,25 Ma para um leito de cinzas próximo a este local. A segunda amostra de osso de dinossauro dos estratos do Paleoceno logo acima da interface Cretáceo-Paleogeno produziu uma data Paleoceno U-Pb de 64,8 ± 0,9 Ma, consistente com dados biocronológicos palinológicos, paleomagnéticos e mamíferos fósseis. Essa primeira datação direta bem-sucedida de osso fóssil de vertebrado fornece uma nova metodologia com o potencial de obter diretamente datas precisas para qualquer fóssil de vertebrado.

Estes resultados, que implicam a presença de dinossauros no Paleógeno, não são geralmente aceitos. Sullivan (2003), bem como muitos outros pesquisadores, argumentou que os fósseis de dinossauros encontrados em estratos paleogênicos são, na verdade, do Cretáceo, tendo sido transportados para estratos do Paleogeno. 

Quanto ao estudo de Fasset, Heaman & Simonetti (2011), Koenig et al. (2012) questionaram as conclusões. A maioria dos ossos fossilizados sofrem um processo de recristalização, no qual o mineral original é substituído por outro mineral quimicamente similar. E o intervalo de tempo para que ocorra recristalização varia bastante, de centenas a milhões de anos. Koenig et al. argumentam que Fassett et al. não fornecem evidência geoquímica que indique que o processo de recristalização do osso que eles analisaram tenha ocorrido relativamente rápido após a morte do organismo. Além disso, a datação ainda sofre de tratamento estatístico não muito bem aplicado, e parece não ter levado em conta a possibilidade de alteração do material original. Em conjunto, essas objeções lançam grande dúvida sobre a idade obtida.  Koenig et al. concluem:

Dada a importância de determinações precisas e acuradas de idade para atribuir uma idade paleocena aos ossos de dinossauros, defendemos que deveria haver validação mais rigorosa dos métodos de datação e verificação idades de amostras adicionais além daquelas apresentadas por Fassett et al. Essas fraquezas, combinadas com a grande incerteza da duração da recristalização dos ossos em questão e o contraditório posicionamento bioestratigráfico e magnetostratigráfico do limite K / T na Bacia San Juan, fornece dúvidas suficientes para rejeitar os resultados e interpretações de Fassett et al. Concluímos que Fassett et al. falharam em fornecer as evidências extraordinárias necessárias para apoiar a alegação extraordinária de que dinossauros sobreviveram ao evento de impacto K / T e viveram no Paleoceno. 

Fassett et al. (2012) responderam Koenig et al. (2011), devo dizer. Mas não vou tratar aqui da réplica. Sugiro consultar as referências.
Conforme o meu entendimento, não é impossível que algumas poucas linhagens de dinossauros não-avianos tenha sobrevivido e vivido no começo do Paleogeno. Contudo, a evidência atual para a presença desses dinossauros no paleoceno não é tão forte como deveria para sustentar tal alegação (alegações extraordinárias requerem evidências extraordinárias, como diria Carl Sagan). Esperemos desdobramentos futuros.

Essa hipótese dos dinossauros do começo do Paleogeno é conhecida como "Paleocene Dinosaurs" (Dinossauros do Paleoceno). Sinceramente? Eu prefiro "The Paleocene Lost World Hypothesis" (A Hipótese do Mundo Perdido do Paleoceno). Você não?

Referências

ALVAREZ, Luis W. et al. Extraterrestrial cause for the Cretaceous-Tertiary extinction. Science, v. 208, n. 4448, p. 1095-1108, 1980.

SCHULTE, Peter et al. The Chicxulub asteroid impact and mass extinction at the Cretaceous-Paleogene boundary.science, v. 327, n. 5970, p. 1214-1218, 2010.

RENNE, Paul R. et al. Time scales of critical events around the Cretaceous-Paleogene boundary. Science, v. 339, n. 6120, p. 684-687, 2013.

SLOAN, Robert E. et al. Gradual dinosaur extinction and simultaneous ungulate radiation in the Hell Creek Formation.Science, v. 232, n. 4750, p. 629-633, 1986.

FASSETT, J. E. et al. Compelling New Evidence for Paleocene Dinosaurs in the Ojo Alamo Sandstone San Juan Basin, New Mexico and Colorado, USA. In: Catastrophic Events and Mass Extinctions: Impacts and Beyond. 2001.

FASSETT, James E.; HEAMAN, Larry M.; SIMONETTI, Antonio. Direct U-Pb dating of Cretaceous and Paleocene dinosaur bones, San Juan Basin, New Mexico. Geology, v. 39, n. 2, p. 159-162, 2011.

SULLIVAN, Robert M.; LUCAS, S. G.; BRAMAN, D. No Paleocene dinosaurs in the San Juan Basin, New Mexico. In:Geological Society of America Abstracts with Programs. 2003. p. 15.

KOENIG, Alan E. et al. Direct U-Pb dating of Cretaceous and Paleocene dinosaur bones, San Juan Basin, New Mexico: Comment. Geology, v. 40, n. 4, p. e262-e262, 2012.

Fassett, J. E., Heaman, L. M., & Simonetti, A. (2012). Direct U-Pb dating of Cretaceous and Paleocene dinosaur bones, San Juan Basin, New Mexico: REPLY. Geology, 40(4), e263–e264. doi:10.1130/g32758y.1 




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