quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

O seu cromossomo 2 é uma evidência da evolução



Figura 1. Na imagem: um espécime de uma das mais perigosas espécies do reino animal ao lado de um chimpanzé. Imagem disponível aqui


Cromossomos.

Certamente essa não é uma palavra nova para você, que está num blog como esse, lendo sobre o que está lendo. Mas, primeiro, vamos à definição de "cromossomo". 


"Cada cromossomo em uma célula eucariótica consiste em uma única e enorme molécula de DNA linear juntamente com proteínas que enovelam e empacotam a fina fita de DNA em uma estrutura mais compacta". 

Bruce Alberts et al., 2017. 


Os cromossomos (Fig 2.) tornam-se facilmente visíveis (com a ajuda de um microscópio, claro) quando a célula está em processo de divisão, pois os cromossomos estão altamente compactados. Eles têm regiões específicas, que você provavelmente conhece. Em cada extremidade do cromossomo, temos um telômero, que consiste majoritariamente de sequências de DNA bem específicas. Entre os telômeros, em alguma região do cromossomo, situa-se o centrômero, que também tem suas próprias sequências específicas.  



Figura 2. Esquema geral de um cromossomo. Imagem disponível aqui


As células humanas diploides contam com 46 cromossomos, sendo 22 pares de cromossomos autossomos e 1 par de cromossomos sexuais. Nossas células germinativas, por serem haploides, possuem apenas 23 cromossomos - 22 autossomos e um cromossomo sexual (X ou Y). 

Se investigarmos as células germinativas dos outros grandes símios, isto é, chimpanzés, gorilas e orangotangos, veremos que estas possuem 24 cromossomos - 23 autossomos e um cromossomo sexual. Essa é um diferença interessante, com implicações evolutivas imediatas. Se humanos, chimpanzés, gorilas e orangotangos compartilham um ancestral comum, como explicar o cromossomo ausente nos humanos?

Em 1982, foi publicado na Science um estudo que concluiu o seguinte: 

"Uma análise comparativa de alta resolução dos cromossomos  do orangotango, gorila, chimpanzé e do homem sugere que 18 ou 23 pares de cromossomos do homem moderno são virtualmente idênticos aos do nosso "ancestral hominoide comum", com os pares restantes ligeiramente diferentes."


Com os estudos posteriores dos genomas dos humanos e chimpanzés, essas conclusões se mantiveram, com a adição de mais similaridade ainda: os cromossomos de humanos e chimpanzés são notavelmente similares, em termos de sequência e organização. O consenso entre os estudos é tal que cada cromossomo humano, com exceção de um, tem sua contraparte no chimpanzé. A única exceção é o cromossomo humano de número 2. Esse cromossomo não é similar a somente um único cromossomo chimpanzé, mas a DOIS cromossomos (Fig. 3).


Figura 3. Os cromossomos 2A e 2B se alinham ao cromossomo 2 humano. Imagem do livro Relics of Eden.

O cromossomo 2 humano se alinha a dois cromossomos do chimpanzé, batizados de 2A e 2B. Como explicar isso? 

Como propõe Daniel Fairbanks no capítulo 1 de seu livro Relics of Eden, três hipóteses mutuamente exclusivas poderiam explicar esse alinhamento. 

1. Se humanos e chimpanzés possuem mesmo um ancestral em comum recente, o cromossomo 2 deve ter se formado através da fusão dos cromossomos 2A e 2B na linhagem que deu origem aos seres humanos (Fig. 4a).

Figura 4a. Hipótese 1: fusão. Imagem do livro Relics of Eden.  

2. Os cromossomos 2A e 2B dos chimpanzés se originou da divisão ou fissão de um cromossomo ancestral (Fig. 4b). 


Figura 4b. Hipótese 2: fissão. Imagem do livro Relics of Eden. 


3. Os cromossomos dos humanos e chimpanzés se originaram independentemente, sem haver nenhuma relação de ancestralidade comum, e portanto parentesco, entre essas espécies.



Para resolver essa questão, voltemos aos telômeros. 

Os telômeros dos humanos e grandes símios têm uma coisa em comum: um sequência de seis pares de bases repetida várias e várias vezes (Fig. 5). 
Figura 5. Sequência repetitiva encontrada nos telômeros. Imagem do livro Relics of Eden. 

Em 1991, cientistas da universidade de Yale descobriram que no meio do cromossomo 2 humano existem sequências que "dão match" com as sequências repetitivas encontradas nos telômeros dos cromossomos 2A e 2B dos chimpanzés (Fig. 6). 

Figura 6. O retângulo indica a região do cromossomo 2 humano que se alinha com sequências encontradas nos telômeros dos cromossomos 2A e 2B. Imagem do livro Relics of Eden. 

Isso indica fortemente que houve a fusão de dois cromossomos para formar o cromossomo 2 humano. Em algum momento do passado, os cromossomos 2A e 2B se fusionaram via telômero-telômero na linhagem que daria origem a nós. 

Ah, é bom não esquecermos dos centrômeros. Eles também entraram em jogo. 

Podemos nos perguntar se no cromossomo 2 humano há regiões equivalentes os centrômeros dos cromossomos 2A e 2B. E a resposta é........ Sim!!! O centrômero do cromossomo 2A se alinha com o centrômero do cromossomo 2 humano. E o centrômero do cromossomo 2B se alinha com uma região onde não existe centrômero algum (Fig. 7). O alinhamento, por si só, já mostra que no cromossomo 2 humano há regiões equivalentes aos centrômeros 2A e 2B. Mas talvez você tenha se perguntado "bom, mas quem garante que essa sequência que se alinha com o centrômero 2B é mesmo derivada de um centrômero, se hoje ela não atua como centrômero?". Justo, e há uma resposta. 


Figura 7. Os retângulos indicam as regiões de alinhamento de sequência. Imagem do livro Relics of Eden. 

O centrômeros dos humanos e outros grandes símios contêm uma sequência de 171 pares de bases muito característica, repetida várias e vária vezes, conhecida como sequência alfoide (alphoid sequence). Procurando na região onde ficaria o segundo centrômero, cientistas encontraram as sequências alfoide, indicando que aquela região é mesmo derivada de um centrômero (Fig. 8). 

Figura 8. Sequências alfoide destacadas em preto. O retângulo preto representa as sequências alfoides encontradas no sítio do cromossomo 2 humano que não funciona como um centrômero. Imagem do livro Relics of Eden.  


Esse post vai chegando ao fim e eu devo fazer algumas considerações. Eu decidi omitir aqui detalhes sobre como deve ter ocorrido a fusão dos cromossomos. No livro Relics of Eden você vai encontrar esses detalhes. Além disso, não consideramos aqui os problemas que um rearranjo cromossômico desse tipo poderia ter causado, como infertilidade. Nem tampouco falamos como essa característica poderia ser fixada. Com exceção do detalhes sobre a fusão cromossômica, vou abordar essas questões em outro post. Contudo, caso alguém deseje se adiantar... links aqui, aqui e aqui, nessa ordem. 


Isso é tudo, por enquanto. Obrigado por ler. Até mais!


Fontes:

Alberts, B., Johnson, A., Lewis, J., Morgan, D., Raff, M., Roberts, K., ... & Hunt, T. (2017). Biologia molecular da célula. Artmed Editora. 

J. J. Yunis and O. Prakash, “The Origin of Man: A Chromosomal Pictorial Legacy,” Science 215 (1982): 1525-30.  

Fairbanks, D. J. (2009). Relics of Eden: the powerful evidence of evolution in human DNA. Prometheus Books.



Um comentário:

  1. Que excelente texto! Ainda mais pra quem é leigo, acho que pode se ter um bom entendimento!

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