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Uma das mais revolucionárias ideias de todos os tempos
é a teoria da seleção natural. A história padrão conta que Darwin viajou a
bordo do Beagle e logo após retornar já começou a considerar seriamente a
possibilidade da evolução biológica. Por volta de 1838 Darwin chegou à teoria
da seleção natural. Vinte anos depois ele recebeu uma carta de Alfred Wallace,
na qual viu esboçadas suas ideias sobre evolução por seleção natural. Darwin e
Wallace tiveram suas ideias brevemente comunicadas à Sociedade Lineana em 1858
e no ano seguinte foi publicado A Origem das Espécies.
O que pouca gente lembra ou sabe é que ainda em 1831
um escocês chamado Patrick Matthew publicou um livro sobre madeira naval e
arboricultura no qual havia um apêndice que antecipava as ideias de Darwin e
Wallace sobre um processo natural de seleção. Matthew escreveu:
Existe uma lei natural universal na natureza, que
tende a tornar cada ser reprodutor o mais adequado para sua condição. . . Como
o campo da existência é limitado e previamente ocupado, apenas os indivíduos
mais resistentes, mais robustos, mais adequados às circunstâncias, são capazes
de lutar até a maturidade... o mais fraco, menos adequado às circunstâncias,
sendo destruído prematuramente. Este princípio está em constante ação, regula a
cor, a forma, as capacidades e os instintos; aqueles indivíduos cuja cor ou cobertura são mais adequadas para
ocultação ou proteção contra inimigos, ou defesa contra vicissitudes e
inclemências do clima, cuja compleição é melhor adaptada à saúde, força, defesa
e suporte; cujas capacidades e instintos podem melhor regular as energias
físicas para o benefício próprio de acordo com as circunstâncias – em tal
imenso desperdício de vida primária e juvenil, aquelas só vêm a maturidade a partir
da provação estrita pela qual a Natureza testa sua adaptação a seu padrão de
perfeição e aptidão para continuar seu tipo por meio da reprodução. . .
Quando foi publicado, o livro de Matthew não causou
nenhum reboliço. É como se o pequeno publicou que leu aquele apêndice em um
livro sobre madeira naval e arboricultura não estivesse preparado para entender
as implicações das ideias de Matthew. Gould chegou a argumentar que talvez nem
o próprio Matthew reconheceu de fato o poder de sua cria intelectual. Mas depois
da publicação de A Origem das Espécies, o interesse na seleção natural
explodiu e Patrick Matthew escreveu ao Gardener’s Chronicle
reivindicando a prioridade sobre a seleção natural.
Darwin respondeu à reivindicação, reconhecendo que “o
Sr. Matthew antecipou em vários anos a explicação que ofereci da origem das
espécies sob o nome de seleção natural”, porém ressaltando “que não será motivo
de surpresa para ninguém que nem eu, nem, aparentemente, qualquer outro
naturalista, tenha ouvido falar dos pareceres do Sr. Matthew, considerando-se a
brevidade com que são expostos e o fato de terem surgido no apêndice de uma
obra sobre madeira para construção naval e arboricultura.” Na terceira edição
de sua grande obra, Darwin comenta sobre Matthew: “ele vislumbrou claramente
toda a força do princípio da seleção natural”.
Talvez com um pouco de falta de humildade, Patrick
Matthew contou sobre como chegou a conceber um processo natural de seleção:
A concepção dessa lei da Natureza veio intuitivamente
como um fato autoevidente, quase sem esforço de concentrada reflexão... foi por
uma visão geral do esquema da Natureza que eu estimei a produção de espécies
como um fato reconhecível a priori.
Existe uma diferença importante entre Darwin e
Matthew. Enquanto o primeiro era um discípulo fiel do uniformitarismo de
Charles Lyell, o segundo era adepto do Catastrofismo Cuveriano, um conjunto de
ideias de que a história da Terra foi pontuada por violentas revoluções
sucessivas que tiveram impactos repentinos e drásticos na vida marinha e
terrestre. Tais desastres repentinos seriam a causa da extinção das espécies
que viviam nos períodos de estabilidade entre uma revolução e outra.
Para Matthew a extinções eram um componente
importantíssimo da evolução. Uma vez que esses eventos reduziram drasticamente
a diversidade, “um campo inocupado seria formado para novas e divergentes
ramificações da vida”. Após essa diversificação, haveria, como já pontuado, estabilidade,
que seria inclusive preservada do registro fóssil.
Darwin, Lyelliano que era, jamais poderia concordar. Para
ele, era quase consenso que o Catastrofismo não poderia representar a
realidade. Aos moldes de Lyell, seu mentor geológico, as revoluções que os
catastrofistas enxergavam no registro fóssil nada mais eram do que o reflexo da
incompletude desse “livro”.
Atualmente, é possível que, em se tratando da
importância das extinções no processo evolutivo, estejamos mais para o lado de
Matthew do que o de Darwin. Niles Eldredge afirma que Matthew possivelmente “foi
o primeiro pensador a tentar realizar o que tantos de nós temos trabalhado na
era moderna”, isto é, ele tentou explicar causalmente “os padrões de extinção
em massa e reproliferação”. E é por isso que ele deve e merece ser lembrado.
Embora Gould tenha argumentado que Matthew não
reconheceu o poder de sua teoria em sua completude, em seu pequeno e obscuro
apêndice esse quase esquecido vitoriano parece ter entendido a “grandeza nessa visão
da vida”:
Há mais beleza e unidade de design neste equilíbrio
contínuo da vida com as circunstâncias, e maior conformidade com as disposições
da natureza que se manifestam a nós, do que na destruição total e nova criação.
Pra finalizar, eu quero dizer que outra pessoa
antecipou a ideia de seleção natural, até mesmo antes de Matthew. No esboço
histórico que Darwin escreveu para a terceira edição d’A Origem, ele diz:
Em 1813, O Dr. W. C. Wells leu perante a Royal Society
um ensaio “sobre uma mulher branca cuja pele, em determinados pontos, se
assemelha à de uma negra”; ensaio esse que só foi publicado depois do
surgimento, em 1818, de seu famoso Dois ensaios sobre o orvalho e visão única,
e no qual reconhece com clareza o princípio da seleção natural, e este é o
primeiro reconhecimento indicado; mas ele se refere apenas às raças humanas e a
certas características em particular.
O propósito maior desse texto não foi discutir quem
foi exatamente o primeiro a tropeçar no princípio da seleção natural, mas
lançar luz sobre o tão sombreado legado de Patrick Matthew.
Para
saber mais:
RAMPINO,
Michael R. Darwin's error? Patrick Matthew and the catastrophic nature of the
geologic record. Historical Biology, v. 23, n. 02-03, p. 227-230, 2011.
DARWIN,
C. R. On the origin of species by means of natural selection, or the
preservation of favoured races in the struggle for life. London: John Murray.
3d edition. Seventh thousand, 1861.
MATTHEW,
Patrick. On naval timber and arboriculture: with critical notes on authors who
have recently treated the subject of planting. A. Black, 1831.
ELDREDGE,
Niles. Eternal ephemera: Adaptation and the origin of species from the
nineteenth century through punctuated equilibria and beyond. Columbia
University Press, 2015.
GOULD,
Stephen Jay. The flamingo's smile: Reflections in natural history. WW Norton
& Company, 1985.