terça-feira, 8 de maio de 2018

Pterossauros são dinossauros, certo?


Em 1757, em meio a uma coleção de fósseis, o naturalista italiano Cosimo Collini notou algo... diferente. Uma criatura se destacava: parecia ter um bico longo, contudo cheio de dentes afiados, e, mais marcante ainda, a criatura exibia o que parecia ser um fino e alongado dedo. Com base no conhecimento de que os fósseis da coleção tinha origem marinha, Collini concluiu que tal criatura um dia habitou ambientes marinhos.
 
Pterodactylus antiquus, o espécime de Collini

Por volta do início do século XIX, o naturalista alemão Samuel von Sömmering inspecionou o espécime de Collini. Corretamente, como sabemos hoje, Sömmering argumentou que tratava-se de um animal voador, não aquático. Sömmering classificou o animal como sendo um morcego. Mais adiante no tempo, o espécime recebeu o nome de Pterodactylus antiquus.
 
Entretanto, um certo alguém ousou discordar dessa conclusão. E acontece que esse alguém era nada menos que Georges Cuvier, geralmente considerado o pai da Anatomia Comparada. Cuvier, sopesando as conclusões que poderiam ser feitas a partir da informação fóssil, concluiu que o Pterodactylus era, na verdade, um réptil voador. E por falar em Cuvier, o nome Pterodactylus baseia-se no nome que Cuvier deu ao espécime, a saber, Ptero-dactyle (em francês).  
 
(Embora daqui pra frente eu passe a usar o termo "pterossauro", não se engane; pterossauros não se restringem a apenas pterdodáctilos. Pterosauria é um grupo de "répteis alados" que incluiu, entre outras espécies de outros gêneros, as espécies do gênero Pterodactylus

Embora tenha existido ainda alguma dissidência com relação a esta conclusão de Cuvier, acabou-se um fato estabelecido que os pterossauros foram répteis voadores. Richard Owen, o Cuvier Britânico, um anatomista brilhante da Era Vitoriana, reforçou ainda mais a conclusão de Cuvier a respeito da natureza reptiliana dos pterossauros. 

Uma vez estabelecido que os pterossauros são um grupo de répteis voadores extinto, os pterossaurógos ainda tinham de delimitar ainda mais essa classificação. Répteis, ok. Mas quais? Dinossauros? Lepidossauros? 

Talvez ainda não saibamos com certeza a que grupo estrito de répteis os pterossauros pertencem, mas pelo menos alguma luz já foi lançada sobre a questão. Sabemos, por exemplo, que os pterossauros não são dinossauros. (Isso pode ser chocante para algumas pessoas; se você for uma delas, tire um tempo para respirar antes de continuar a leitura); sabemos, também, que não pertencem à linhagem dos lepidossauros (Lepidosauria é o grupo que inclui serpentes e outros lagartos, o tuatara e outros répteis extintos, como mosassauros, por exemplo).  

Se você fizer uma busca rápida a respeito da classificação dos pterossauros, provavelmente vai encontrar algo como "pterossauros são um grupo de répteis arcossauros" (Archosauria é o grupo que inclui dinossauros e Crocodiliformes, por exemplo). Todavia, essa não é a única, nem a melhor hipótese filogenética. A imagem abaixo resume quais as principais possibilidades de relação dos pterossauros com outros grupos.
Note que em nenhum dos casos os pterossauros são classificados como dinossauros.

Em 2015, o paleontólogo Chris Bennett publicou um artigo no qual conclui que é pouco provável que os pterossauros, conjunta e formalmente chamados de Pterosauria, sejam répteis arcossauros, embora façam parte de um grupo mais inclusivo que contém os arcossauros, grupo este chamado Archosauriformes. Grosso modo: pterossauros tem lá suas boas semelhanças com os arcossauros, mas não tanto ao ponto de serem eles próprios arcossauros.

Moral da história: há mais coisas entre os pterossauros e os dinossauros do que a nossa vã cultura pop é capaz de imaginar.   

EDIT: Existe evidência crescente de que a relação entre dinossauros e pterossauros é bem próxima. Nesbitt (2011) e
Nesbitt et al. (2017), por exemplo, obtiveram Pterosauria como grupo-irmão de Dinosauromorpha.
 
Bibliografia

BENNETT SC. 2015. An external mandibular fenestra and other archosauriform characters in basal pterosaurs re-examined. Hist Biol 27: 796-814.
 
Unwin, David M. (2006). The Pterosaurs: From Deep Time. New York: Pi Press. p. 246.
 
Veldmeijer, A.J. (2012) Pterosaurs Flying contemporaries of the dinosaurs. Sidestone Press, Netherlands, 133 pp.

Wellnhofer, P. (2008). A short history of pterosaur research. Zitteliana, 7-19.

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