segunda-feira, 14 de maio de 2018

Dinossauros e Aves: Archaeopteryx em foco!

Esse post deu origem a um vídeo no YT. Clique aqui para assistir

Poucos fósseis são tão famosos (e tão mal compreendidos) quanto o Archaeopteryx, geralmente tratado como o "elo" entre répteis (mais especificamente dinossauros) e aves. O que talvez nem todo mundo saiba é que "o" Archaeopteryx é na verdade o nome do gênero apenas. Não temos apenas um espécime (não confundir com espécie!). Neste post, vamos discutir algumas características do décimo espécime de Archaeopteryx, descrito por um trio de pesquisadores na Science, em 2 de dezembro de 2005. 


O décimo espécime de Archaeopteryx, o espécime de Thermopolis. Imagem disponível aqui.

Enquanto que o termo "elo" é uma péssima escolha, não se pode negar (como fazem muitos criacionistas) que os espécimes de Archaeopteryx exibem características transicionais; juntos esses espécimes nos permitem descrever um animal que possui penas ao mesmo tempo em que tem dentes e uma cauda longa. Como muitas pessoas se deixam levar pela aparência externa de ave, devido suas penas, eu acho importante que foquemos nas características de dinossauros terópodes exibidas nos espécimes de Archaeopteryx, especialmente neste décimo.

Fenestra Maxilar e Fenestra Promaxilar

Como visto na imagem abaixo (Fig. 1.), há duas fenestras anterorbitais acessórias no osso maxilar (mx), chamadas de fenestra maxilar (mf) e fenestra promaxilar (pf), homólogas às fenestras que recebem o mesmo nome nos dinossauros terópodes que as possuem (e.g., Fig. 2.). Embora presentes nos terpópodes não-avianos, essas fenestras não são visíveis nas Aves modernas.


Figura 1. A. Vista dorsal do crânio; B. Fotografia de florescência induzida por luz ultravioleta; C. Reconstrução interpretativa; D. Detalhe da fenestra anterorbital. Pt = palatino; Ch = processo coanal do palatino; pj = processo jugal do palatino. 


Figura 2. Vista lateral da Maxila esquerda do Velociraptor osmolskae. Promax fen = fenestra promaxilar; max fen = fenestra maxilar.

Palatino tetrarradiado 

O osso palatino (figuras 1C e 1D) deste espécime apresenta uma característica que é típica dos dinossauros terópodes não-avianos. O palatino das aves é trirradiado ("três pontas ou procesos"), enquanto que o palatino dos terópodes não-avianos é tetrarradiado ("quatro pontas ou processos"). A presença de um palatino tetrarradiado (fig. 3A) no Archaeopteryx foi estabelecida graças ao décimo espécime. O espécime de Munique apresentava palatino trirradiado (fig. 3B), provavelmente devido à quebra de um dos quatro processo do palatino, mais especificamente o processo jugal do palatino (pj na fig 1D).     


Figura 3. Reconstrução do palatino de dois espécimes de Archaeopteryx em vista ventral. A, décimo espécime; B, espécime de Munique.


"O astrágalo forma um amplo processo ascendente idêntico àquele dos dinossauros terópodes"   

O astrágalo é um dos ossos que compõem o tornozelo. No caso dos dinossauros terópodes, como o T. rex, o astrágalo tem uma projeção óssea muito característica, chamada processo ascendente do astrágalo, que tem essa forma achatada e um pouco triangular (Fig. 4.). Esse processo ascendente é identificado em algumas aves em alguns estágios do desenvolvimento ontogenético, mas com diferenças com relação àquele dos terópodes. Como ressalta Sankar Chatterjee em seu livro The Rise of Birds,

Nas aves hesperornithiformes e aves neognatas, o processo ascendente se espalha como um elemento separado (osso pré-tibial) em indivíduos jovens, mas se funde com o calcâneo em adultos; em terópodes não-avianos e paleognatos, por outro lado, o processo ascendente não é separado, mas está sempre fundido com o astrágalo.

Na figura 5C pode-se ver o processo ascendente do astrágalo do décimo espécime de Archaeopteryx. Os autores são enfáticos ao declarar que "o astrágalo forma um amplo processo ascendente idêntico àquele dos dinossauros terópodes". [Eu não acho que seja "idêntico", apear da semelhança, mas pelo menos o processo ascendente "não é separado, mas está sempre fundido com o astrágalo"].


Figura 4. Processo ascendente do astrágalo de um Tyrannosaurus. Imagem disponível aqui.

Sobre essa característica, o paleontólogo Dave Hone comenta em seu blog

"Este é um bom exemplo, um astrágalo de tiranossauro com o processo ascendente subtriangular claramente visível e colocado (e de fato fundido) na tíbia. Esta é uma daquelas peculiaridades clássicas da anatomia que, se notarmos, fornecem uma excelente característica sistemática - se você encontrar até mesmo uma pequena fração de um esqueleto no campo e ele tiver isso, então você sabe que tem um terópode em suas mãos."
 

Figura 5. Alguns detalhes. Em C: as = astrágalo; ca = calcâneo; ap = processo ascendente do astrágalo; fi = fíbula. 

O primeiro dedo do pé do Archaeopteryx 

Você já deve ter notado que é típico de Aves o primeiro dedo apontar "pra trás", como pode ser visto na figura 5. 

Figura 5. Detalhes anatômicos. Observe o primeiro dígito (hallux). Imagem disponível aqui.


E quanto ao primeiro dedo do Archaeopteryx? Nas palavras dos autores, 

Ao contrário de praticamente todas as reconstruções existentes do Archaeopteryx, o novo espécime mostra que o primeiro dedo não era totalmente revertido como nas aves existentes. Em ambos os pés, o primeiro metataro se liga à superfície medial do segundo metatarso, como nos dinossauros terópodes, e não à sua superfície plantar, como nas aves atuais que têm o primeiro dedo do pé retrovertido. O corpo do primeiro metatarso não exibe a torção característica das aves com o primeiro dedo do pé totalmente retrovertido.

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Assim, concluímos que o primeiro dedo do pé do Archaeopteryx se espalhava medialmente e não permanentemente revertido como nas aves atuais.

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A ausência de um primeiro dedo do pé totalmente invertido indica que o Archaeopteryx não tinha um pé do tipo para se empoleirar e era, na melhor das hipóteses, facultativamente arbóreo.

Esses detalhes anatômicos podem ser verificados nas figs. 5 D, E e F.

Outro dedinho... 

A figura 6 mostra os "inofensivos" segundos dedos dos pés do Deinonychus. Surpreendentemente, como é indicado pela presença de um tróclea (expandida proximal e dorsalmente) da primeira falange do segundo dedo (figs. 5D, E e F), infere-se que o Archaeopteryx tinha um segundo dedo do pé hiperextensível,  como os do Deinonychus e Rahonavis (uma ave do Creatáceo Superior). Além disso, o segundo dedo exibe uma garra que é maior do que a dos outros dedos do pé, mas que não é comparativamente tão grande quanto aquela do Deinonychus e aparentados (fig. 6.).   

Figura 6. Pés inofensivos. Imagem disponível aqui

Eu vou ficando por aqui. Espero que este post lhe seja de alguma utilidade!

Obs.: exceto onde indicado por "imagem disponível aqui", as imagens aqui usadas foram retiradas dos artigos referenciados abaixo. 

Referências

CHATTERJEE, Sankar. The rise of birds: 225 million years of evolution. JHU Press, 2015.

Mayr, G; Pohl, B; Peters, DS. (2005). "A well-preserved Archaeopteryx specimen with theropod features". Science. 310 (5753): 1483–1486. http://science.sciencemag.org/content/310/5753/1483.

Mayr, G. et al. The tenth skeletal specimen of Archaeopteryx. Zool. J. Linn. Soc. 149, 97–116 (2007)

Martin, L. D. et al. The Origin of Birds: Structure of the Tarsus and Teeth. Diponível aqui: https://sora.unm.edu/sites/default/files/journals/auk/v097n01/p0086-p0093.pdf

J. H. Ostrom, Biol. J. Linn. Soc. 8, 91 (1976). https://doi.org/10.1111/j.1095-8312.1976.tb00244.x 

 
 




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